domingo, 28 de agosto de 2011

Certos momentos


Domingo, 28 de agosto de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
Outro dia – era um sábado - saí de manhã para fazer umas coisas bem pouco interessantes, tipo comprar cabides, lata de lixo, um armário para a área, etc.; mais sem graça, impossível. Quando terminei, eram 2h da tarde e eu estava com fome. Por coincidência, quando vi, bem ao lado, um restaurante que adoro, de comida baiana. Entrei, pedi uma caipirinha e um acarajé. Eu estava tranquila, tinha conseguido liquidar minha listinha e, sedenta e faminta, ia beber e comer exatamente o que queria. O restaurante foi enchendo, e a única mesa com uma só pessoa era a minha.
Algumas pessoas me olharam meio de banda, possivelmente achando estranho uma mulheralmoçando sozinha num sábado de sol. Talvez tenham pensado que eu havia levado um bolo, ou que era uma pobre coitada que não tinha amigos com quem almoçar, ou sei lá mais o que. Terminei meu acarajé, que aliás estava ótimo, pedi mais uma caipirinha e uma moqueca de camarão. Comi muito, mais do que devia, mas estava tudo tão bom, mas tão bom, que eu acho que merecia.
Quando estou comendo, só presto atenção e muita _ ao que estou fazendo; mas quando terminei, e só então, comecei a olhar as pessoas. Em uma das mesas elas eram 6, queconversavam alto, todos falavam, e pareciam alegres; em outra um casal de turistas, tipo lua de mel, felizes da vida, e havia uma _ também de 6 _ em que todos riam e gargalhavam, parecendo se divertir muito.
Aí fiquei pensando (uma mania que tenho). Será que os quem riem e dão gargalhadas são mais felizes do que os que apenas conversam, talvez até sobre as mais banais banalidades? E mais do que os que estão sozinhos?
Ficou combinado que quem sorri muito, ri muito, gargalha muito, é mais feliz do que os sérios, mas não sei se para viver bem _ e não estou falando de felicidade _ é mesmo fundamental estar sempre rindo.
Pensei que se estivesse em qualquer daquelas mesas, não estaria melhor do que estava, ali, sozinha. Quem inventou que rir é mesmo melhor do que não rir? Eu já ri muito, muito mais do que rio agora, e isso não me faz a menor falta; aliás, tenho horror aos profissionais em dizer coisas engraçadas, que são a alegria da festa, que fazem os outros gargalhar. “Vamos jantar sim, vai ter fulano que é ótimo, divertidíssimo”; essa frase, aliás, já é uma boa razão para eu não ir.
Continuei mais um tempo na mesa, e tão bem, que ainda pedi uma cocada branca de sobremesa, e pensei que inventam umas coisas nas quais as pessoas acreditam; talvez, naquele sábado, muitos homens e mulheres acreditaram no que ouviram dizer, e estavam infelizes por estarem em casa, porque não tinham com quem almoçar, alguém engraçado, para que eles rissem um pouco; qual.
Vou repetir, para que não haja engano: eu não estava vivendo nenhum momento de intensa felicidade. Mas estava tão bem, mas tão bem, que naquele momento não precisava de mais nada na vida; de nada. Já passei por momentos assim algumas vezes, e lembro de todos eles, porque foram todas inesquecíveis, e aprendi
a
identificar, na hora, quando eles acontecem, assim, a troco de nada; será que isso tem um nome?
E, curioso: em todos eu estava absolutamente só.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Acelera Dilma



Domingo, 21 de agosto de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
A Presidente está surpreendendo. Sua fama era de competente e durona, mas de não saber fazer política, ser incapaz de negociar. 
Pois a "saída" do ministro da Agricultura foi uma surpresa.

Ela conseguiu o que queria -se livrar de Wagner Rossi-, na moral, sem precisar bater de frente com o PMDB. Palmas para ela, e vexame para sua "base de apoio"-aliás, apoio a eles mesmos-, cujos deputados sumiram quando souberam do desfecho.

Em seu discurso de posse, a presidente estendeu a mão à oposição, coisa que há oito anos não acontecia; agora, dez senadores (só dez!) -todos de reputação inatacável- fizeram um gesto em direção a Dilma, oferecendo a ela apoio, para que a faxina continue.

Aceite, presidente; é uma boa hora para fazer novas amizades e se firmar como grande brasileira.

Nos encontros que tem tido com Lula, em diversas bases aéreas do país, imagino os conselhos que Dilma recebe. A governabilidade acima de tudo etc. etc., e 2014, claro.

A presidente parece obediente, mas sabe muitíssimo bem o que é certo e o que é errado, seu mestre foi Brizola; será que algum dia sonhou que teria que se reunir com Michel Temer e José Sarney, para "sentir" se podia ou não demitir um ministro apadrinhado por eles?

Afinal, não foi para isso que Dilma abriu mão de sua juventude, que foi presa e torturada.

Seu dever de lealdade é, em primeiro lugar, para com os que a elegeram, e só depois a Lula, isso se achar que deve; afinal, a presidente é ela, eta herança mais maldita.

Ela não precisou dar um murro na mesa para se livrar dos dois ministros que já se foram; ainda faltam alguns, é verdade, mas ela é mineira, tem paciência para esperar a hora certa. Caindo o terceiro ministro desta leva, que está quase, Dilma podia aproveitar o embalo e diminuir o número de ministérios, começando pelo da Pesca, que não dá para entender.

Com os acontecimentos da semana, a próxima pesquisa deverá ser mais favorável, e em sua nova fase ela deveria apontar aquele seu dedo ameaçador diretamente aos políticos que só pensam nas emendas, as famosas emendas.

Depois do deslumbramento inicial, aliás compreensível, fantasio que às vezes Dilma pense "por que eu fui me meter nessa?"

Cercada pela sua falta de experiência política, e vigiada de perto por Gilberto Carvalho, que dá os recados de Lula, sua vida não deve ser fácil.

Aliás, o que teria feito Lula com essa crise nos ministérios? Faria um discurso bem popular, esbravejando, como sempre, e diria que a culpa era toda da imprensa. Aliás, é bom lembrar que, se não fosse a imprensa, Palocci ainda seria o ministro mais poderoso do governo.

Estou começando a confiar mais em Dilma, e adoraria poder elogiar coisas que ela faz mais vezes, muitas vezes. Mas vamos combinar: cada vez que ela fala, é um desastre; decididamente, nossa presidente não nasceu com o dom da palavra.

E nem precisa; basta fazer o que deve, o que é certo.

A bolsa ou a vida



Domingo, 14 de agosto de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Se você mora no Rio , costuma ler os cadernos de finanças e tem um dinheirinho aplicado, deve estar pensando em qual a solução mais prática: se cortar os pulsos ou atear fogo às vestes. Uma sugestão: vista um short, ponha um tênis e, diante de tanta falta de futuro, vá dar uma voltinha na praia.
A cidade anda linda; nos últimos dias o ar tem estado puro, o céu azul, a temperatura perfeita, o mar em tons de azul e verde escuro, diferentes a cada dia, numa combinação de tons que nenhum pintor conseguiria fazer nem parecido. Ah, Deus tem muito bom gosto e estava particularmente inspirado quando criou o Rio.
Olhe as pessoas; elas estão andando ou correndo, bonitas, saudáveis, queimadas de sol. Mas e a crise, e as Bolsas? Esqueça; tente, pelo menos por umas horas.
Segundo os que entendem, os pobres estão mal, os ricos péssimos, e a situação pode piorar; é preciso começar a sofrer urgentemente.
Já que os economistas sabem tanto, poderiam nos dar alguma orientação; afinal, devemos sair comprando ou, ao contrário, não comprar nada? Mas não: eles se limitam a nos prevenir, para que se fique com os nervos à flor da pele, sem conseguir sorrir uma vez que seja, durante o dia. É preciso que se fique sério, sombrio, sisudo, para mostrar que participamos das desgraças que não vão poupar ninguém.
Enquanto isso, um monte de gente continua fazendo alongamento, andando e correndo, mas, segundo a cartilha da crise, estão fugindo da realidade. Tudo vale se o resultado for péssimo, e você começa a acreditar que trata-se de um bando de neuróticos alienados. Não é isso: eles estão apenas respirando, enquanto podem.
Aí você passa por um quiosque e vê um homem não tão jovem, mas também não um aposentado. Ele está sentado, sozinho, sem camisa, tomando sol, e o mais grave: de olhos fechados.
Vamos refletir: é verdade que em situações do mais profundo estresse algumas pessoas são capazes de delírios, tipo conversar e sorrir, até de fazer planos para uma futura viagem a Paris.
Ah, de que não são capazes as pessoas para fugir da realidade e se baratinar, sonhar com coisas que nunca vão acontecer.
Mas o homem que está tomando sol de olhos fechados é diferente; pense nos séculos que você passou na praia, quando era uma adolescente, antes dos 25.
Nesse tempo você fazia como ele, pois não tinha nenhum problema. Mas depois, quando eles foram chegando, bem discretamente -dava para fechar os olhos e ficar tomando sol? Claro que não.
Quem tiver que ir ao banco já fica impedido de pensar em qualquer coisa agradável, e ver alguém instalado num quiosque, bebendo um coco gelado no canudinho, sentindo o prazer do sol esquentando a pele, não é grave: é gravíssimo.
Mas isso acontece na praia inteira, do Leme ao Recreio. Não é preciso conhecer filosofia para saber que essas pessoas são, ou estão, felizes, mesmo com a crise. Ou serão apenas irresponsáveis?
Olhe bem para eles: nem uma só ruga na testa, nem um só traço de ansiedade no rosto, e quando encontram um amigo não falam sobre as Bolsas -falam de mulher. Detalhe: isso, às 10h da manhã de uma quinta-feira.
Quando passar por um desses homens felizes, dê um oi, assim, pra nada. Ele vai responder com outro oi, você vai continuar andando.
Andando e pensando: a Bolsa ou a vida? Ora, a vida, claro.

Certos encontros

Domingo, 7 de agosto de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Eles tiveram um romance ; não um grande romance, mais tipo um caso. 
Ele às vezes sumia, depois aparecia, e assim foram levando, até que um dia acabou de vez; depois de um tempo ela nem lembrava dele, e nunca mais se viram, nem por acaso, andando numa rua.
Anos depois, na sala de embarque de um aeroporto, ela viu lá longe, sentado, alguém que parecia ser ele. Será? Como estava de óculos escuros, disfarçou e olhou. Não, não podia ser. Não podia ser, só que era.
Um começo de calvície, um paletó meio churreado e um ar de derrota: tudo o que ela achava lindo e charmoso no tempo em que achava que estava apaixonada.
Respirou fundo e teve medo que ele a reconhecesse e tivessem que conversar.
Sentou-se bem longe e ficou de olho, para evitar o encontro.
Daria a vida, naquela hora, por um cigarro, mas tinha deixado de fumar, e nem poderia, num aeroporto. Pegou o jornal e fingiu que lia as notícias econômicas, enquanto pensava nas loucuras que fez por aquele homem, e nas que teria feito, se ele tivesse deixado.
Pensou também que poderia ser mais normal, passar por ele e dizer um oi, perguntar como vai a vida, mas não teve coragem. Tentou pensar em outra coisa, mas não conseguiu, só queria embarcar logo, e que ele não a visse, pelo amor de Deus.
Depois do que lhe pareceram horas, o embarque foi dado, o que significava que teria que passar pelo lugar em que ele estava, se é que ele ainda estava lá. Tomou coragem, respirou fundo, e foi.
Ele continuava no mesmo lugar; ela ajeitou os óculos e passou, com um olhar distraído, mas olhando pelo rabo do olho. E teve a dolorosa impressão que ele a tinha visto e que não tinha se dirigido a ela pelos mesmos motivos: talvez a tivesse achado feia, velha, churreada, com ar de derrotada pela vida.
Foi das primeiras a entrar no avião e sentou-se bem no fundo, para ver se ele ia no mesmo voo, o que felizmente não aconteceu.
Pensou em como o mundo é cruel, e quando a comissária de bordo passou oferecendo um lanche, pediu um uísque -só que na ponte aérea não servem bebidas alcoólicas.
Teve que segurar o tumulto dentro dela até chegar em casa, tirar o gelo e tomar não um, mas três, um depois do outro.
E parou no terceiro porque, se continuasse, seria capaz de cair em prantos; por ele, por ela, por tudo.

Liberdade , oh , Liberdade



Domingo, 31 de julho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Todo mundo quer ser livre; a liberdade é o bem mais precioso, almejado por homens e mulheres de todas as idades, e a luta para conquistá-la começa bem cedo. Desde os primeiros meses de idade só se pensa em uma coisa: fazer apenas o que quer, na hora que quer, do jeito que quer.
Crianças de meses rejeitam a mamadeira de três em três horas, mas choram quando têm fome (só querem comer quando têm fome, o que é muito justo) e quando um pouco mais grandinhas, brigam para não vestir a roupa que a mãe escolheu.
Ficam loucas para ir sozinhas para o colégio, e quando chegam em casa além do horário previsto, ai de quem perguntar onde elas estiveram. "Por aí", é o que respondem, quando respondem -e as mães que enlouqueçam.
Quando adolescentes, as coisas pioram: querem a chave da casa (e a do carro), e quando começam a sair à noite e os pais tentam estabelecer uma hora para chegar, é guerra na certa, com as devidas consequências: quarto trancado, onde ninguém pode entrar nem para fazer uma arrumação básica.
Naquele território ninguém entra, pois é o único do qual ele se sente dono -portanto, livre. A partir dos 12 anos, o sonho de todos os adolescentes é morar num apart -sozinhos, claro.
Mas o tempo passa, vem um namoro mais sério, e quem ama não é -nem quer ser- livre (para que o outro também não seja). Dá para quem está namorando sumir por três dias? Claro que não. Se for passar o fim de semana na casa da avó, em outra cidade, vai ter que dar o número do telefone, e isso lá é liberdade? Os celulares permitem, pelo menos, que eles não atendam, já que sabem quem está ligando.
Aí um dia você começa a achar que para ser livre mesmo é preciso ser só; começa a se afastar de tudo e cancela o amor em sua vida, entre outras coisas. Ah, que maravilha: vai aonde quer, volta na hora que bem entende, resolve se o almoço vai ser um sanduíche ou nada, sem ninguém para reclamar da geladeira vazia, trocar o canal de televisão ou reclamar do fumacê no quarto. Ah, viver em total liberdade é a melhor coisa do mundo.
Mas a vida não é simples, e um dia você acorda pensando em mudar de casa; fica horas pesando os prós e contras, mas não consegue decidir se deve ou não. Pensa em refrescar a cabeça e ir ao cinema, mas fica na dúvida -enfrentar a fila, vale a pena? Vê a foto de uma modelo na revista e tem vontade de cortar o cabelo igual, mas será que deve?
Acaba não fazendo nada, e depois de tantos anos sem precisar dar satisfação da vida a ninguém, começa a sentir uma estranha nostalgia.
Como seria bom se tivesse alguém para dizer que é loucura fazer uma tatuagem; que aconselhasse a não trocar de carro agora -pra que, se o seu está tão bom?
Que mostrasse o quanto foi injusta com aquela amiga e precipitada quando largou o marido, o quanto foi rude com a faxineira por bobagem. Que falasse coisas que iam te irritar, desse conselhos que você ia seguir ou não, alguém com quem você pudesse brigar, que te atormentasse o juízo às vezes, para poder reclamar bastante. Alguém que dissesse o que deve ou não fazer, o que pode e o que não pode, e até mesmo te proibisse de alguma coisa.
E que às vezes notasse suas olheiras e falasse, de maneira firme, que você está muito magra e talvez exagerando na dieta; alguém que percebesse que faltando dez dias para o final do mês você só tem R$ 50 na carteira e perguntasse se você não está precisando de alguma coisa. E que dissesse sempre, em qualquer circunstância, "vai dar tudo certo".
Que falta faz um pai.

Alguma coisa esta errada



Domingo, 24 de julho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Segundo reportagem publicada em "O Globo", a revista francesa "L'Express" contou em detalhes como vai a vida mais do que íntima do ex-diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn, que está sendo discutida não só nos jornais como também nos tribunais, vê se pode. 
A história: a jornalista francesa Tristane Banon, 32, se diz vítima de uma suposta tentativa de estupro, acontecida em 2002; passou nove anos calada e agora resolveu contar. Essas coisas têm de contar logo ou esquecer. Estupro é estupro, e tentativa de estupro é meio vago. Pode ter sido uma forte tentativa de sedução, que a moça confundiu e achou que era tentativa de estupro.
Prosseguindo: eis que surge Anne, mãe da jornalista, contando que teve uma relação -consentida- com Strauss-Kahn há 11 anos, relação essa classificada por ela como "sexo brutal". E mais: declarou que o sexo de Strauss-Kahn tinha "a vulgaridade de um soldado", que os dois tiveram "relações sexuais brutais" e que ele se comportou como "um cafajeste obsceno, que a luxúria sexual o faz querer dominar", palavras dela. Detalhe: tudo aconteceu no escritório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, e volto a lembrar: o sexo foi con-sen-ti-do.
Para começar: como é que Anne pode saber que o sexo com Strauss-Kahn tinha a vulgaridade de um soldado? Se disse, é porque deve ter conhecido alguns (ou muitos) soldados, todos fazendo sexo brutal, só assim ela podia comparar. Eu não acredito nada nessa história, e vou dizer o que penso.
Anne transou com Strauss-Kahn num escritório; dois anos depois, o galã paquerou Tristane, filha dela, que foi aconselhada pela mãe a ficar de bico calado. No meu entender, por uma questão de vaidade, para que os companheiros de escritório, que sabiam da transa, não ficassem sabendo da paquera da filha. Um problema de vaidade feminina, dá para entender; e em se tratando de uma mulher muito mais jovem, e ainda por cima filha, só faz piorar as coisas. Foi ela, Anne, que se portou como uma cafajeste, contando à imprensa a maneira como ele transava, coisa que não se faz.
Algumas mulheres, quando feridas, podem ser muito más; Anne esperou nove anos para ter a chance de se vingar, e chegou a hora: ela agora incentiva a filha a contar o que aconteceu há tanto tempo para acabar com a reputação do homem com quem ela teve uma transa rápida -segundo eu entendi, uma só- e da qual ela deve ter gostado muito, para depois de tanto tempo ainda querer se vingar (se quer, é porque não se esqueceu).
Não há nada mais absurdo do que a jornalista francesa indo depor perante a Justiça dos EUA, para denunciar algo que não chegou a acontecer, há nove anos, em outro país. Isso não faz nenhum sentido.
Existem homens que procuram ter relações sexuais em qualquer lugar, com todas as mulheres, mesmo num escritório, e como eles são mais fortes fisicamente, é bom que elas sejam cautelosas, e para não correrem certos riscos, não ficarem sozinhas com homens que conhecem pouco; geralmente -mas nem sempre - dá para saber com que tipo de homem se está lidando, para evitar situações perigosas.
Mas quem gosta mesmo de Strauss-Kahn é a atual mulher dele, que bancou US$ 5 milhões de fiança para que ele não ficasse preso, alugou um luxuoso apartamento em NY para ficarem juntos, e o casal não se larga, com toda essa confusão.
Ela deve ter suas razões; suas boas razões.

Preferências



Domingo, 17 de julho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Vocês já repararam que tudo o que é considerado ruim é absorvido pelas pessoas -por nós- bem mais facilmente do que tudo o que faz bem, seja à saúde, seja à alma? E não é só: é muito mais fácil -e prazeroso- fazer o que é proibido do que o que pregam os governos, as religiões, a família, a medicina. Exemplo: você prefere um suco de beterraba com nabo ou uma caipirinha? 
Tudo o que é considerado bom para a saúde e para o espírito costuma ter péssimo paladar, dá trabalho e leva tempo para dar resultado: já as coisas condenadas são fáceis, deliciosas, e você se habitua a elas em poucos dias.
Digamos que você resolva adquirir uma forma física impecável: vai ter que malhar três, quatro horas por dia, durante meses, anos, para poder exibir aquele feixe de músculos que vai deixar todo mundo morrendo de inveja. Mas, se resolver parar tudo, em quatro semanas volta à estaca zero. Dura, a vida.
Capítulo dieta: quanto tempo se leva para perder 15 quilos? Meses, e passando por sacrifícios permanentes, pois nada mais insuportável do que comer legumes no vapor com pouco sal e bebendo água. Insuportável, não: um verdadeiro inferno.
Aí um dia, prestes a cortar os pulsos, você resolve jogar tudo para o alto e cai de boca numa feijoada.
Toma todas as caipirinhas a que tem direito -com açúcar- e quando chega em casa abre aquela caixa de chocolates e vai ver um filme na televisão, fe-li-cís-si-ma. Nesse dia você recupera três quilos, que para perder vai levar pelo menos 40 dias, oh, vida.
Ela, que fumava dois maços de cigarro por dia, resolve deixar o vício. Compra as piteiras milagrosas, usa o tal esparadrapo americano, testa sua força de vontade até o limite máximo, fica de péssimo humor, e vai diminuindo, diminuindo, até chegar a quatro, cinco cigarros por dia -isso depois de seis meses com os nervos à flor da pele.
Do alto de sua superioridade, começa a fazer o discurso habitual, e no qual nem acredito muito: está sentindo mais o cheiro das coisas e o paladar dos alimentos -isso fora a resistência física. Já sobe 12 andares direto, corre dez quilômetros sem cansar e a performance sexual -bem, a modéstia impede de falar.
Com tanta coisa boa acontecendo, só pela cabeça de um louco passaria voltar a esse vício maldito. Mas uma noite sai com uns amigos, se distrai, toma três uísques e resolve botar um cigarro na boca -para nada, só para mostrar que é capaz de fumar um só e não sucumbir.
Acaba fumando um maço inteiro e vai ter que começar da estaca zero, pois o vício já se instalou, igualzinho ao que era antes.
Para desviciar, meses de sacrifício: para reviciar, basta uma noite -é possível? É justo?
E com o amor, a mesma coisa; entre um rapaz de bom caráter, trabalhador, aquele que já se sabe que vai ser um marido fiel -teoricamente, o homem certo-, ela costuma preferir um cafajeste, que não tem trabalho fixo (vive de expedientes), aquele que faz com que ela passe noites em claro esperando que ele apareça -ele, que não pode ver um rabo de saia e que apronta sempre.
E, se ele aparecer, ela abandona o rapaz certo e volta para os braços dele quantas vezes ele quiser; por que será que entre o que nos faz bem e o que nos faz mal -e quanto mais mal, melhor-, a gente sempre prefere o pior?
A vida é mesmo complicada: não podia ser ao contrário?

Queima de arquivo

Domingo, 10 de julho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Outro dia me programei para passar a limpo a agenda de telefones, coisa que não fazia havia cinco anos. Eu talvez seja a última pessoa a ter uma agenda de papel, mas como sou romântica e sentimental, é assim, e pronto. Não existe nada melhor do que uma agenda novinha em folha, com todas as páginas em branco. É quase igual a recomeçar a vida, com muitas delícias e algum tormento. 

No dia marcado, comecei a saber dos últimos escândalos pelos jornais, e quando li sobre o inacreditável código de ética do nosso inacreditável governador Sérgio Cabral, achei que tinha mais o que fazer; toda animada, comecei pela letra A, achando que ia ser tudo uma delícia, e no princípio até foi.

Mas percebi que a cada nome era preciso fazer uma opção e reavaliar as relações para saber se valia a pena tê-las na agenda nova. Algumas eu tinha certeza que sim, outras que não, e algumas, francamente não sabia.

Aquela amiga com quem abri meu coração tantas vezes, com quem ficava horas no telefone falando do passado e fazendo planos para o futuro; com ela desabafei, ri e chorei, juntas compartilhamos alegrias e tristezas.

Gostava dela de verdade, mas na verdade, entre nós só havia em comum o fato de sermos solteiras, nos encontrarmos todos os dias na ginástica e, frequentemente, à noite, para a balada, o que não chega a ser muito. Um dia ela mudou para outro bairro, se casou, teve um filho, e os telefonemas, claro, foram rareando. Se nos cruzarmos hoje em algum lugar vai ser um prazer -será mesmo?- mas sinceramente: vou ligar para ela algum dia na vida? Finjo que estou na dúvida, mas já sei que não.

Responder a essa pergunta é um exercício de autoconhecimento. Será que eu não tenho sentimentos e de tudo o que passamos juntas não sobrou nada? Sobrou uma amizade, sim, só que ela agora faz parte do passado, e as lembranças -poucas- vão ficar só no coração, não na agenda. Aliás, eu nunca liguei para ela, mas nem ela para mim.

A cada nome vinham coisas na cabeça, e na letra L já tinha passado metade da minha vida a limpo. De algumas, lembrei com prazer -e doeu, por já terem passado- e de outras, preferia ter esquecido. Aquela empregada que trabalhou para mim durante anos e que foi testemunha de todas as coisas -as boas e as péssimas- e para quem nunca mais telefonei.

E o remorso? Vou ligar, adoro ela, mas já sei que vou sofrer.
Mas tem outras: houve um homem por quem um dia inventei sei lá o quê, e como essas invenções têm prazo de validade curto, logo chegou a hora de desinventar.

Um dia, num aeroporto, achei que era ele e enfiei a cara no jornal para não ter que falar. Podia pintar tomar um café, com direito a perguntas sobre como vai a vida, só que a última coisa no mundo de que eu queria saber era da vida dele, e ele, provavelmente, da minha. E se nosso avião fosse o mesmo? E conversar, durante a viagem? Essa foi até fácil: ele não foi para a agenda nova.

E os que estão na agenda, mas que você não vê há 20 anos, como estarão? A memória protege e nos faz lembrar da pessoa como da última vez em que a vimos, mas a vida deixa marcas no rosto e na alma. Quando você vê essas marcas no outro, sofre e pensa que está sofrendo por ele, mas na verdade está sofrendo por você mesma. Afinal, os 20 anos não passaram só para ele.

Refazer uma agenda é uma queima de arquivo, e ninguém passa por isso impunemente; a vida é cruel, e em alguns casos, a única defesa é endurecer, e sem nenhuma ternura.

O último ato



Domingo, 3 de julho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Imagino que ninguém se jogue de um prédio ou se atire debaixo de um trem por impulso de momento. Um suicida deve pensar durante muito tempo nesse desfecho voluntário por diferentes razões, até mesmo por não entender essa estranha coisa que é o mistério da vida; e deve programar sua morte com dias -anos, talvez- de antecedência. O suicida costuma já nascer suicida. 
Assisti uma vez a um documentário sobre a morte assistida. Depois de toda uma parte burocrática, o/a suicida, que sofria de uma doença degenerativa, embarcou com seus dois filhos de Londres para Genebra, e de lá foram para uma pequena clínica que parecia um hotel, onde houve mais um pouco de burocracia -até nessa hora; muitos papéis foram assinados, e se bem me lembro, até um vídeo foi feito, para que não houvesse dúvida de que aquele era mesmo o desejo da pessoa.
A cena era muito triste; ele se despediu da família, tudo foi acontecendo conforme programado, e o médico trouxe um copo com a droga letal que o matou em minutos.
Acabar com a própria vida é um ato radical, talvez o mais radical que possa ser praticado. Por isso, não dá para compreender que uma pessoa aceite, em seu momento final -escolhido por ela-, ter a seu lado um estranho. É sempre possível se matar sem precisar de ajuda, seja por estar em processo terminal, seja por razões de qualquer ordem.
Se estiver num hospital, vai ser mais difícil comprar o veneno ou o revólver, mas sempre haverá alguém que o ame o bastante para ajudar.
Acho que já contei a história de um casal que se amava muito; ele ficou dias internado, sem chances de recuperação. Quando percebeu que estava chegando a hora -ou talvez ele tenha escolhido a hora-, fez um sinal para ela, que tirou da sacola um iPod com as músicas de que mais gostavam, uma garrafa de uísque, serviu em dois copos que também havia trazido, tirou o oxigênio que o ajudava a respirar e pôs em sua mão um cigarro já aceso.
Ele sorriu como não fazia há muito tempo, e eles passaram algumas horas ouvindo música, fumando, bebendo e driblando as enfermeiras. Na mesma noite ele se foi, e ela ficou quase feliz, por terem passado uma tarde tão boa. Foram considerados loucos.
Não acredito que o suicídio seja necessariamente um ato de agressão contra alguém, contra muitos ou contra todos, segundo dizem os que acham que entendem tudo sobre a natureza humana.
Eles apenas acham, já que nunca ninguém soube nem jamais saberá o que se passa na cabeça de alguém que decide se matar; e mesmo os que tomam essa decisão, deixando uma ou muitas cartas, talvez não saibam exatamente em que momento ela foi tomada, e por que a vida ficou tão impossível de continuar sendo vivida; só sabem que ficou.
Não sei se o suicídio é um ato de coragem ou de covardia, mas não entendo a morte assistida; se já são raros os que se matam na presença de alguém, é incompreensível que o façam na presença de um médico desconhecido, nesse que é o momento mais solitário do ser humano.

Sejamos civilizados


Domingo, 26 de junho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Para que serve ser civilizado? 
Para não sair agredindo as pessoas que pegam a vaga do seu carro, não furar a fila, não puxar os cabelos daquela que ousou olhar mais de três segundos para seu amado, não roubar, não sair por aí atacando as moças.

Ser civilizado é saber que existem leis para frear nossos impulsos mais primários, leis que quando são quebradas acabam em escândalo e cadeia, às vezes -pelo menos para quem é pobre.
Mas existe um problema, entre pessoas civilizadas: de tão civilizadas, elas acabam praticamente iguais. Afinal, a educação, os bons modos, o traquejo, a cortesia, as boas maneiras, nivelam as pessoas -por cima, mas nivelam.

Como saber com que tipo de pessoa você está lidando se, pelo menos aparentemente, ela não se altera, não se irrita, não se enerva e tem sempre uma paciência infinita para lidar com todo tipo de problema?
Quanto mais civilizadas, mais parecidos são todos.

Pense um pouco: se você frequentar sempre um mesmo grupo, vai perceber que os homens se vestem praticamente da mesma maneira, bebem o mesmo tipo de bebida, frequentam os mesmos restaurantes, passam férias nos mesmos lugares e falam sobre as mesmas coisas.

Mais: todos têm como sonho de consumo ter um apartamento em Nova York, se possível no mesmo bairro dos amigos, se possível no mesmo quarteirão, se possível no mesmo edifício. Todos têm a mesma opinião sobre as coisas mais fundamentais, praticam o mesmo tipo de esporte e, se têm uma casa de campo ou de praia, é sempre na mesma região -se não for no mesmo condomínio.

Os filhos frequentam as mesmas escolas, se casam entre eles e os casais praticam o adultério também entre eles.

Mesmo que não se conheçam, eles sempre têm do que falar, mesmo com os estrangeiros, pois esta casta, digamos assim, é internacional e está sempre ligada nas mesmas coisas. Quando falam de gastronomia, falam dos mesmos restaurantes; dos de São Paulo, Nova York ou Tóquio, eles sabem de tudo -tudo igual, claro.

Nada, em nenhum deles, é original; dificilmente num jantar alguém chegaria sem sapatos ou começaria a cantar, entre o primeiro e o segundo prato. Como são muito civilizados, bem educados e conhecem perfeitamente as regras de etiqueta -que como são sempre as mesmas, são muito monótonas-, nada acontece em suas vidas que seja especialmente trepidante.

E quando a mulher de um desses homens tão elegantes e civilizados desaparece com um guitarrista obscuro, ninguém consegue compreender como isso pode acontecer.

Essa padronização, no fundo, é uma grande muleta; se todos usam o mesmo Rolex, o mesmo terno Armani, a mesma agenda Hermès, ficam mais seguros e protegidos; o mundo vira uma espécie de clube, e eles adoram um clube -são todos sócios do mesmo.

E a gente fica pensando: se acontecesse uma catástrofe que varresse da Terra essas tais muletas e se encontrassem todos num jardim, nus, sem os sinais exteriores que diferenciam as classes, o que fariam esses homens? E as mulheres, sem seus "tailleurs" Chanel e suas bolsinhas Prada?

Com tanta civilização, as mulheres não conhecem os maridos, os filhos não conhecem os pais, ninguém sabe o que o outro pensa sobre a vida e as coisas do mundo; a padronização civilizatória é de tal ordem que acaba ninguém conhecendo ninguém, e pouquíssimos se conhecem a si próprios.

E um dia a gente morre.

O tempo


Domingo, 19 de junho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Qual de nós não foi mais feliz do que agora? E se não éramos, 
achávamos que iríamos ser um dia
A coisa mais misteriosa que existe: o tempo.
O tempo acaba com tudo: com as árvores, com as montanhas, com as
pedras, com a água -que se evapora-, com os sentimentos, com os
bichos, com os homens.

O tempo acaba com o vigor físico, com o paladar, com o olfato, com o
interesse pelas coisas; com a vontade de viajar, de comprar uma roupa
nova, de reencontrar um velho amigo, até com a vontade de viver. É
cruel, o tempo.

Quem se salva do passar do tempo? Os que não pensam, talvez, ou talvez
os que só pensem no momento, aquele que estão vivendo; mas mesmo assim
podem pensar que já viveram momentos parecidos e muito melhores que
nunca mais vão se repetir, por culpa do tempo.

Qual de nós não foi mais feliz do que agora? E se não éramos,
achávamos que iríamos ser um dia, quando tivéssemos mais dinheiro,
quando encontrássemos o verdadeiro amor, quando tivéssemos filhos,
quando eles crescessem, quando, quando, quando. E agora, você espera
exatamente o quê, e a culpa é de quem? Apenas do tempo.

Dele, nada escapa: é o tempo que acaba com os grandes amores, e com os
grandes entusiasmos que não resistem a ele, que passa e passa. Não são
as coisas que passam: é ele.

Passar é modo de dizer: quando se está muito feliz, ele voa, e quando
se está esperando muito por alguma coisa, é como se ele tivesse
parado.

É como se estivesse sempre contra nós, e quando acontece de se ter uma
vida razoavelmente feliz, um dia se vê que ela já passou, e com que
rapidez.

Mas o tempo às vezes é amigo; quando se tem uma grande dor, não há
dinheiro, viagens, distrações, trabalho ou aventuras que ajudem: só o
tempo.

Não chega a ser um tratamento de choque, rápido, como se gostaria; é
uma coisa vaga, lenta, que não dá nem para perceber que está
acontecendo, mas um dia você acorda e se dá conta de que o sol está
brilhando -coisa que passou meses sem perceber que acontecia
diariamente-, se olha no espelho, tem uma súbita vontade de abrir a
janela e respirar fundo.

Ainda não sabe, mas está salva. E um dia, muito depois, vai saber que
foi o tempo, e só ele, que a salvou.

Nunca se pensa no poder do tempo, do quanto ele comanda nossa vida;
também nunca se pensa no quanto ele é precioso, mas um dia você vai
lembrar que ele passou e não volta mais. Lembra quando você tinha 20,
30 anos, e se achava infeliz? Se achava, não: era mesmo.

E quando era adolescente, não era também profundamente infeliz, como é
obrigação de todos os adolescentes?

Mas será que ninguém tem um tio, desses meio doidos que todo mundo
tem, que pegue um desses meninos ou meninas de 13, 15 anos, sacuda
pelos ombros e diga "pare de achar que tem problemas, viva sua
juventude, não perca tempo sendo complicada, neurótica, reclamando que
sua mãe não te entende e que seu pai não te dá a devida atenção.
Danem-se seu pai e sua mãe, aproveite a vida".

Para ter uma maturidade com poucos arrependimentos, é preciso não
perder tempo, e mesmo fazendo uma bobagem atrás da outra, é melhor do
que não fazer nada. Os pais querem que os filhos estudem para ter uma
profissão, e estão certos; mas quem vai dizer aos adolescentes para
eles aproveitarem o tempo para serem felizes em todos os minutos da
vida? Quem?

PS - Quando terminei de escrever esta crônica, lembrei de uma
entrevista que fiz há mais de 20 anos com Pedro Nava, dez dias antes
de sua morte. Ele disse que os jovens, até 30 anos, não deveriam fazer
nada, nem estudar, nem trabalhar, apenas viver a vida. Ele talvez
tivesse razão.

Palocci o herói



Domingo, 12 de junho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Dá para entender, claro, e até para justificar: já que como ministro empossado da Casa Civil, Palocci, que conhece todas as leis apesar de não ser advogado, não poderia mais dar consultorias, foi obrigado a fazer tudo muito rápido, para que no dia da posse já tivesse seu futuro garantido, mas tudo bem. Com R$ 20 milhões, dá para relaxar e viver bem o resto da vida. 
Depois dos quatro meses de quarentena, poderá voltar a trabalhar no mesmo ramo, com o mesmo sucesso, pois continua amigo de todos os que deixou no governo, que poderão lhe passar excelentes informações. Foi estarrecedor, na hora da despedida, ver Palocci aplaudido de pé como um herói. Eu não entendo mais nada.
Cheguei a ter uma certa esperança na presidente Dilma; não era ela a durona, cheia de personalidade? Pois foi preciso Lula ir a Brasilia para resolver o nó Palocci. Dizem que ela não gostou, e depois disso Lula parece ter sossegado, se é que Lula sossega, mas os dois continuam se falando muito no telefone.
Dilma só foi candidata porque todos os possíveis candidatos à Presidência são réus no processo do mensalão.
Como dizem que o Brasil não tem memória, vale lembrar os homens de ouro da total confiança de Lula, que caíram -e mal: o então poderosíssimo José Dirceu, Delúbio, o ex-presidente do PT Genoino, seu irmão -o deputado José Nobre Guimarães-, seu assessor (o dos dólares na cueca), Gushiken, o próprio Palocci, que já tinha ficado mal na foto em Ribeirão Preto, foi ministro da Fazenda, caiu, voltou como ministro da Casa Civil, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, Professor Luizinho, Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT; são 40, mas como não dá para citar todos, ficamos com as estrelas do partido. Todos, absolutamente todos, escolha pessoal de Lula; nenhum, absolutamente nenhum, foi preso, e na última semana de agosto, o crime -formação de quadrilha-, prescreve. Quando ouço falar no PT, me arrepio.
De repente, a surpresa: sai Palocci, entra Gleisi. Será que Lula deixou Dilma escolher sozinha?
Não dá para falar rigorosamente nada de Gleisi, a não ser que ela até sorri, coisa que não acontece com nenhum petista; vamos esperar e ver. Será que ela é mais um dos escolhidos para conquistar a classe média? Ela tem tudo para isso: loirinha, olhos claros, dois filhos que ela leva à escola todos os dias, bonita, simpática, já quis ser freira, citou dois poetas em seu discurso de despedida e tem um projeto de lei dando aposentadoria às donas de casa. Um perfil perfeito para conquistar o eleitorado feminino.
Eu já acreditei em Lula, e até já votei nele, quando o outro candidato era Collor. Eu já acreditei em Dilma; não votei nela, mas dei um voto de confiança, que aliás foi retirado, depois que vi Erenice em sua posse; só por simpatia -e porque preciso ter esperança em alguém- ia dar um votinho de confiança a Gleisi, mas depois de vê-la citar Collor no discurso de despedida do Senado, fiquei na minha. Desejo felicidades a todos, e espero que Lula faça muitas palestras, ganhe muito dinheiro, e não pise nunca mais em Brasília.
Observação 1 - na despedida de Gleisi no Senado, Marta Suplicy estava de dar pena, tal o ódio que não conseguia disfarçar; por que, não sei. Mas ela espumava, praticamente.
Observação 2 - Gleisi é a única petista do governo que usa saia.

Um punhado de vergonhas


Domingo, 5 de junho de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

O noticiário está riquíssimo, cheio de assuntos palpitantes. Se a atuação dos políticos tirasse notas, estariam reprovados Palocci, José Sarney, Fernando Haddad e Garotinho -isso porque não estou aprofundando o assunto.
O problema é a reincidência; tem alguma coisa pior do que o que fez Palocci no episódio mensalão, com o caseiro Francenildo? Do ponto de vista moral, um ministro usar seu poder para abrir a conta de um homem modesto é mais grave do que fazer lobby e ganhar tanto dinheiro em quatro anos. Francamente, não sei qual foi pior, mas não vamos nos esquecer que, quando o sigilo do caseiro foi aberto por ordem de Palocci -com a desculpa de um depósito atípico-, em 24 horas Francenildo se explicou e mostrou que não tinha culpa em nenhum cartório. O ministro pediu demissão, mas voltou, com aquela cara de santo. Vamos agora a José Sarney, que nem Sarney é, seu nome é Ribamar; o Estado que ele comanda, o Maranhão, é o mais pobre do Brasil, e o senador já deveria estar aposentado há séculos, por amor ao Brasil. Então o episódio Collor foi um "acidente" que não deveria ter acontecido? E a culpa, segundo ele, é dos funcionários do Senado, que escolheram os fatos que fariam parte do "Túnel do Tempo"? Sobre Garotinho, não há muito a dizer; ele sempre foi o que pode haver de pior na vida pública, e o Rio de Janeiro não merecia ter sido governado por ele e por sua mulher, Rosinha. Chantagear a presidente lembrando que tem na mão um diamante de 20 milhões foi a coisa mais vergonhosa de que jamais ouvi falar -e Dilma quieta. Agora, o capítulo Fernando Haddad. Eu queria que alguém me explicasse o que é Fernando Haddad, e por que razão ele é ministro da Educação. Toda vez que ele aparece, é para se explicar: ou porque na prova do Enem aconteceu algum erro -em quase todas acontece, aliás-, as cores da impressão saíram erradas, os estudantes poderão -ou não- fazer uma segunda prova, ou o livro do "nós pesca" deu uma confusão; se quem redigiu o "nós pesca" queria dizer aos professores que, se chegassem ao colégio crianças falando errado, deveriam agir com calma e paciência para não espantar os alunos, e não ir logo corrigindo, então redigiu mal. Fernando Haddad, que é o responsável, não viu, e acha melhor Stálin do que Hitler, porque sabia ler, ou era Hitler que era melhor? Francamente. Quanto aos vídeos sobre a homofobia, cheguei a vê-los, e são francamente péssimos; mas Fernando Haddad, que é o responsável, não viu, e se viu, não notou que eram péssimos. Como dizem que uma foto diz mais do que mil palavras, destaque para Lula, rodeado por seus aliados -de Sarney a Marta Suplicy, todos rindo como se fossem um punhado de misses; já a de Dilma com Michel Temer foi aquele desastre. E os novos Estados do Tapajós e Carajás vão ter deputados e senadores também? Cheguei a pensar que Dilma talvez fosse diferente; agora, querem o esquecimento dos escândalos, lançando um plano de Brasil sem miséria. E Erenice, de quem nunca mais se falou? E quem matou Celso Daniel?

Um amigo leve



Domingo, 29 de maio de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

É sempre assim : com tanto para fazer e sem tempo para nada, a gente acaba negligenciando um monte de coisas, entre elas nossos afetos.
E como os sentimentos não sobrevivem sem uma certa atenção, um dia se começa a achar que o coração não consegue -e nunca mais vai conseguir- gostar, ou ao menos sofrer por alguém.
Mas o tempo passa, aquele amigo que a gente via o tempo todo viaja e um belo dia você sente saudades dele. Preste atenção: esse fato é mais merecedor de uma comemoração do que qualquer data querida. Ter saudades de um amigo, há quanto tempo isso não acontecia? Ah, que coisa boa.
Uma simples saudade faz com que você se sinta viva, mesmo que sejam saudades apenas de um amigo -como se um amigo pudesse ser chamado de "apenas". Mas tantas vezes você amou apaixonadamente, e quando ele fez uma viagem sentiu um alívio, até para descansar de tanta paixão e poder se encher de cremes, sem ele por perto para reclamar? E tem melhor do que de vez em quando ter aquela cama enorme só para você, e até dormir com a televisão ligada?
Ter um amigo é coisa muito boa, e sendo um que não te patrulha, não te inveja, não te analisa nem discute a relação, é bom demais -e raro. Um amigo tão bom que te aceita do jeito que você é, que não faz perguntas indiscretas, que te entende e está por ali sem ser, jamais, invasivo. Você sabe de certas particularidades dele, ele das suas, mas delas não falam, só quando é necessário. E com pouca intimidade.
O excesso de intimidade pode ser fatal, mesmo entre mãe e filho, marido e mulher. A intimidade física não é nada, perto da dos pensamentos e sentimentos. Pode ser pior do que ouvir a pergunta "em que você está pensando?". Pode sim: é quando alguém tenta analisar a razão pela qual você disse ou fez determinada coisa num determinado dia, pretendendo, assim, conhecer você melhor do que você mesma se conhece.
Um distanciamento saudável é indispensável às boas relações humanas.
Qual a primeira qualidade que deve ter um amigo? Bem, além das clássicas, como lealdade, fidelidade, discrição sobre as intimidades que ouviu nas horas do aperto, disponibilidade para escutar as histórias, bom humor, e mais o quê? Leveza. Ter um amigo leve é uma benção dos céus.
Não espere dele considerações sobre a vida e a complexidade dos sentimentos humanos, mas ninguém será melhor companhia para jantar, viajar, conviver, do que um amigo leve. Já pensou, passar três dias seguidos com um amigo profundo? Se estiverem tomando banho de mar, ele pode se lembrar do tempo em que era criança, falar da relação que tinha com a mãe e o pai, e daí para cair no divã é um pulo; eles gostam de falar como são tolos os banqueiros e políticos, que só pensam em dinheiro e poder e não compreendem que a vida real etc. etc., quanta profundidade.
Com essa mania, quando estão numa rede em frente à praia, comendo um camarãozinho frito e tomando uma cerveja estupidamente gelada, se esquecem de que nessa hora o bom é não pensar em nada.
É isso que faz um amigo leve; ele não diz nada, apenas usufrui a vida, e quem tiver a sorte de estar perto dele vai ter momentos de grande felicidade - ou pelo menos quase isso.
Com um amigo assim, até a vida fica mais leve.

Responda se tiver coragem



Domingo, 22 de maio de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Você esta feliz ? A essa pergunta, tão curta e aparentemente tão simples, ninguém responde rápido, nem que sim nem que não. 
A resposta costuma ser tipo "bem, quando penso na situação da maioria dos brasileiros, não dá para dizer que eu seja infeliz". Não foi essa a pergunta, as pessoas sempre se enrolam.
É difícil mesmo, até porque a felicidade é sempre coisa do passado ou do futuro -depois que o apartamento for comprado, as férias foram maravilhosas, quando a filha se casar, quando arranjar um namorado ou quando me separei, ah, como foi bom, ah, como vai ser bom. Sempre antes ou depois.
As pessoas têm um certo pudor de confessar que são felizes; somos todos supersticiosos, e se queixar um pouco da vida faz parte, para não despertar a inveja dos amigos e a ira dos deuses. E mais: na hora em que se é feliz não se tem consciência do que está acontecendo -complicada, essa tal de felicidade.
O que não se deve é confundir: acontecem às vezes momentos maravilhosos em lugares deslumbrantes, com pessoas incríveis, e se imagina que aquele é um dos grandes momentos da vida, se imagina até mesmo que aquilo é a felicidade.
Anos depois, desses momentos só vai sobrar uma foto, se sobrar, e na memória, quase nada; no coração, nem pensar. Bom mesmo é ser feliz e perceber; quando você come um chocolate bem gostoso, é melhor achar bom na hora ou dois anos depois?
Para isso é preciso um certo treino: o dia de hoje, por exemplo, está sendo bom, ruim ou regular? Pense um pouco: aconteceu alguma coisa boa desde que você acordou? Não? Mas nada mesmo? Será?
Para começar, você acordou, abriu os olhos e viu a luz do dia; quando abriu a torneira, tinha água, o jornal estava na porta, e os gatos brincando. E mais: com um dia inteiro pela frente, dá para tomar certas decisões, do tipo "hoje vou ser feliz". Já é um começo.
É bem verdade que às vezes a vida não dá trégua, mas com o tempo a gente aprende a se defender, e uma boa estratégia é evitar qualquer discussão, e dizer sim a tudo.
Quando ouvir um "você engordou um pouco", diga que é verdade, e que está péssima -dizer que está péssima atrai as simpatias gerais.
Ache graça em tudo o que disserem e peça opinião sobre tudo: do namorado com quem não sabe se deve se casar ou abandonar para sempre até qual a melhor dieta -o que não quer dizer que vai seguir quaisquer dos conselhos.
Com isso está comprando seu sossego, isto é, sua felicidade, o que não tem preço.
E sua personalidade, suas opiniões, onde ficam? Ora, não há nada mais insuportável do que pessoas que têm opinião; bom mesmo são as que concordam com a gente o tempo todo.
E pensando bem, não custa nada dizer sim, sim, sim. Afinal, não é um preço assim tão alto para que todos sejam felizes.
E você? Bem, querer que todos sejam felizes e você também é querer demais, mas mesmo assim, não custa lembrar: ser feliz, ao contrário do que dizem, não é pecado.
PS - O grande escândalo do diretor do FMI me fez pensar. A arrumadeira entrou para arrumar o quarto; ele, que estava no banheiro, abriu a porta (nu) e viu a moça.
Imagino que seja preciso um tempo para que o desejo masculino aconteça; tempo suficiente para ela sair correndo (e à visão do personagem em questão, nu, mais correndo ainda).
Lembro de Mike Tyson que, anos atrás, convidou uma moça para subir em seu quarto de hotel; ela, pobre inocente, aceitou, depois o acusou de tentativa de estupro, e o lutador foi condenado a seis anos de cadeia. Ah, essa América puritana.

Essa tal de carência



Domingo, 15 de maio de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
Recebi carta de um leitor me fazendo a célebre pergunta: "Afinal, o que querem as mulheres?". Ele e seu grupo de amigos têm em torno de 40 anos, trabalham, são simpáticos, separados das mulheres, alguns com filhos, outros sem, mas não conseguem uma namorada; estão achando que o que as mulheres querem é um homem bonito, de sucesso, rico, apaixonado e fiel. Será?

Não, leitor, você não tem razão. As mulheres, para começar, são todas diferentes umas das outras, não existem duas iguais. Uma é capaz de gostar de um homem feio, pobre e sem emprego, casado, com filhos, além de tudo infiel (até a você), e se apaixonar perdidamente. Aliás, o que faz uma pessoa se apaixonar por outra? Vai saber. Este é um dos grandes mistérios da vida.

Pelas qualidades não é; pela disponibilidade não é; pela capacidade de serem fiéis também não. O interesse por alguém bate ou não bate; quantas vezes homens lindos e charmosos chegam perto de uma mulher, cheios de amor pra dar, e nada, porque não bateu? E quantas outras vezes uma mulher viu um homem lá no fundo da sala sozinho, totalmente desligado, e dá aquela curiosidade de saber o que ele está pensando, já que não está rindo e dizendo bobagens ou coisas inteligentíssimas, sozinho com ele mesmo, e parecendo não precisar de nada nem de ninguém porque não precisa de ninguém para existir?

Algumas mulheres gostam de ter sua curiosidade despertada, de um certo desafio, para poderem testar seu poder de sedução e conquista. Porque dizem que são os machos que caçam, mas algumas fêmeas também adoram caçar.

Talvez meu leitor esteja agindo de maneira óbvia demais, ao tentar ganhar uma mulher. Mulher é um bicho complicado, e se sentir que a parada está ganha, perde o interesse. Assim como fica muito evidente, quando uma mulher está desesperadamente procurando um homem -e dessas eles fogem como o diabo da cruz; quando eles estão querendo muito uma mulher, elas também sentem e não se interessam, a não ser que o interesse seja especificamente nela. E sabe por quê?

Porque fica claro que eles e elas não estão querendo aquele homem ou aquela mulher, mas qualquer um, qualquer uma, para suprir sua carência. E não há nada pior do que uma pessoa declaradamente carente. São os que estão sempre prontos para ver o filme que o outro quer, ir ao restaurante que o outro quer, que está sempre de acordo com suas opiniões, e antes de decidir qualquer coisa, procura saber primeiro o que o outro acha.

Quem entrar numa dessas vai se arrepender do dia em que nasceu. Porque os carentes jogam todas as suas fichas no outro; não têm vida própria, não têm prazeres pessoais, que seja ler um livro, jogar paciência ou ver vitrines, e é como se dependesse do outro para respirar. Amor é bom, mas se jogamos em cima do parceiro/a a responsabilidade por nossa vida e nossa felicidade, convenhamos, o peso fica muito grande.
Por isso, meu querido leitor, não fique procurando uma mulher para uma relação, digamos assim. Faça como Zeca Pagodinho: deixe a vida te levar e um dia, quando estiver distraído, ela vai aparecer, de mansinho, como quem não quer nada. Porque, percebendo que você não precisa dela para ser feliz, ela vai, quem sabe, até se apaixonar.

E não é isso que você quer?

Aprendendo a viver



Domingo, 8 de maio de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

O tempo passa , a gente se pergunta e não consegue saber a resposta certa: afinal, homem e mulher nasceram para viver juntos, sim ou não?
Difícil saber; depois do tempo da paixão, grande parte das mulheres casadas anseia por um marido que viaje regularmente, chegue bem tarde em casa e não perca um jogo de futebol aos domingos.
Não, elas não querem necessariamente namorar, nem necessariamente viver sozinhas, mas bem que gostam, pelo menos às vezes, de serem donas de seu nariz e não terem que dar satisfação de suas vidas a ninguém -muito menos para os maridos. E comandar o controle remoto da televisão, coisa impossível quando se mora com um homem.
Elas vivem a vida em dois turnos: um quando estão com eles, outro quando estão sem, e até os assuntos são diferentes. Adoram almoçar com as amigas, dizer bobagens, fingir que são solteiras e não têm hora para chegar, coisa que todos exigem das esposas -e a palavra no caso é essa mesma: exigem.
Não passa pela cabeça delas o adultério, não pela de todas. Mas que dá vontade de ser paquerada como nos antigos tempos -ah, que coisa boa. E mesmo adorando os filhos, que delícia seria ir para Búzios no fim de semana sem um pingo de responsabilidade, podendo tomar todas as caipirinhas que tiver vontade, sem pensar que na segunda-feira o caçula tem judô às oito e meia.
Responsabilidade: o maior fardo que existe no mundo, seja no trabalho, na família, na condução de uma casa. Tudo começa do começo, quando se vira uma pessoa adulta, portanto responsável por si mesma. Ah, como era bom ser criança e ter alguém para marcar a hora do dentista, por o termômetro, dar o antibiótico de oito em oito horas, telefonar para o médico e contar da febre, da dor de garganta.
Como é difícil ter que se cuidar, saber que se não fizer as coisas direito e tudo der errado, a culpa é só sua. A responsabilidade de ter um marido e manter um comportamento impecável para nunca deixá-lo mal diante da família, dos amigos, dos companheiros de trabalho; e a maior de todas, ter alguém que te ama e cujo sentimento você deve respeitar, passando tantas vezes por cima dos seus próprios, para não machucar, não ferir.
Não seria melhor viver inteiramente só e ter a liberdade suprema de só poder ferir a si mesma, sofrendo as consequências de todos os seus atos, mesmo os mais delirantes? Ter o direito de ser louca e totalmente irresponsável, quando der na telha?
Mas também seria tão bom ter alguém ao lado para dividir as dúvidas e os sofrimentos, as alegrias e as felicidades -se é que esse "dividir" existe mesmo, não é coisa inventada.
O problema é que, quando se está com alguém, se sonha com a solidão; por outro lado, quando se está só, fica-se imaginando o quanto seria bom estar com alguém, sobretudo quando o telefone não toca e não aparece um amigo para convidar para tomar um chope.
Mas para tudo na vida é preciso ser inteligente, até para ser feliz; por isso, se você está sozinha, lembre-se de todas as coisas insuportáveis da vida em comum. E quando estiver debaixo do edredom com o homem amado, pense no quanto é horrível a solidão, quando se está sem um amor.
Apenas uma maneira de ser prática e viver melhor -isso também se aprende.

O casamento ainda .




Domingo, 1 de maio de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
Se houvesse um programa de TV tipo perguntas e respostas para falar sobre qualquer detalhe do casamento de William e Kate, eu me candidataria. Tem sido um tal bombardeio de notícias que me considero uma expert no assunto. 
As TVs mostraram todos os casamentos, desde o da mãe da atual rainha como também aqueles de que já havíamos esquecido. Alguém lembrava do da princesa Margaret com o fotógrafo Armstrong Jones? Do da princesa Ann com o capitão Philips? Esses, e todos os outros, acabaram em divórcio, menos o do irmão mais moço do príncipe Charles, Edward, que ninguém nem lembrava que existia.
Na última semana devo ter visto o casamento de Diana umas 250 vezes, e me pergunto se, na época, alguém achou bonito seu vestido. Era horrendo, e a noiva, gorduchinha, nem sombra da mulher radiosa que viria a se tornar. Mas de tudo o que eu vi, o que mais me espantou foi a entrevista de um namorado de Diana, Charles Ewitt, que merece o título de o cafajeste do século.
Com o maior cinismo, ele contou como o romance havia começado, detalhes da relação amorosa dos dois e até a mãe dele deu o ar de sua graça -ele tinha a quem sair. Os dois falaram de Diana como não se fala de nenhuma mulher; nenhuma, muito menos de uma princesa real.
Ok, Diana era estilosa e tonta, e ainda casada, confessou, também pela TV, não só que tinha tido um caso como que, na época, era apaixonada por ele; em suas próprias palavras, "I adored him". Nós, pobres mortais de um país descoberto há apenas 511 anos, temos como norma não escrita, mas obedecida pela maioria, que desses assuntos não se fala publicamente; homens, sobre seus romances, menos ainda, muito menos quando a mulher é casada. Foi demais.
Esse Ewitt era um gentleman que frequentava a nobreza, cobrou uma grana para dar a tal entrevista e, não contente, tentou (não sei se conseguiu) vender as cartas que havia recebido de Diana por milhões de libras.
No festival sobre os Windsor, que rendeu a semana toda, teve também a cena gravada -igualzinha às de nossos políticos recebendo dinheiro- de Sarah Ferguson, aquela ruiva que foi casada com o príncipe Edward, fechando um negócio de 500 mil libras para levar um grupo escuso a conhecer seu ex, o que facilitaria uma tenebrosa transação, quanta baixaria.
Kate é simpática; não é bonita -é bonitinha- e vamos ver em que tipo de mulher vai se transformar quando desabrochar. E é sincera: não esconde, em nenhum momento, o quanto está apaixonada, o quanto está feliz.
Além da torcida normal, para que sejam muito felizes, vamos torcer também para que a casa real se livre dessa nuvem negra em que viveu anos -chamada, pela rainha, de "annus horribillis"; que os Windsor passem a se comportar como pessoas normais, que não lavam sua roupa suja em público, nem confessam suas traições pela TV.
Para isso deve ajudar, e muito, o sangue de Kate, que não é azul, mas vermelho, como o de uma pessoa de carne e osso; como o de uma pessoa normal.

Antecipando o dia das mães



Domingo, 24 de abril de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
Ah, ser mãe é difícil; não existe filho que não tenha dito um dia -ou pelo menos pensado- "ai, não aguento minha mãe", e o pior: com toda razão. Como todas elas gostariam de ser adoradas por seus filhos queridos, existem coisas a serem evitadas. Estou falando de filhos já adultos, claro, pois cabeça de criança é diferente.
Toda mãe tem vontade de telefonar para o filho -e para os dez, se eles forem dez- várias vezes por dia. A primeira de manhã, para saber se está tudo bem e como vai ser o dia dele, isto é, onde vai almoçar, com quem, a que horas etc. E assim como quem não quer nada, se vai sair à noite -para onde, com quem etc. Primeiro conselho: não telefonar de manhã.
Resista também à vontade de telefonar na hora em que você sabe que ele está chegando do trabalho. Coração de mãe é um relógio: sabe sempre. Deixe seu filho em paz, mas esteja sempre à disposição, a qualquer hora do dia ou da noite, para ouvi-lo reclamar do trabalho, da mulher, do filho, e coisas do gênero.
Quando ele disser que vai viajar, não peça, jamais, o telefone do hotel, e não pergunte jamais, mas jamais, que dia ele vai voltar; se não resistiu e perguntou, se segure, corte o fio do telefone, ateie fogo às vestes, faça qualquer coisa, mas não telefone para ele na manhã desse dia. Faça assim: quando ele ligar, finja surpresa e pergunte, como quem não quer nada: "mas você não ia chegar na semana que vem?" Vai ser um alívio ele saber que você não passa a vida só pensando nele.
Mãe, acalme-se; já que você adora tanto seus filhos, seja boa mãe, e não dê palpite sobre nada, a não ser quando consultada, e mesmo assim, cuidado com o que vai dizer. Se ele se queixar da mulher, não aproveite a chance para dizer tudo o que está atravessado na sua garganta. Fique quieta, calada, porque eles vão fazer as pazes -que é o que você deveria almejar- e vai acabar sobrando pra você.
Tem hora pra tudo, inclusive -e principalmente- pra mãe.
É claro que ele te adora, se não fosse você, ele não existiria etc., mas dê um tempo: ninguém suporta ser tão fundamental à felicidade do outro, como as mães costumam deixar sempre tão claro. É verdade, mas nem todas as verdades precisam ser ditas.
Quer saber o que é uma mãe confortável? É aquela que tem vida própria; ou porque joga pôquer e ninguém vai tirá-la da rodinha de sábado, ou porque tem um namorado e por isso não vai poder cuidar dos netos, ou porque é viciada em shoppings, qualquer coisa. É aquela que não diz, jamais, "eu avisei".
É claro que eles vão reclamar que não contam com você para nada, que você é egoísta e imprestável, mas se pudessem escolher entre uma mãe que sufoca de tanto amor, e a outra, que vive e deixa viver, sabe qual ele ia preferir?
Goste dele mais que tudo neste mundo, mas não diga nada -nem com palavras, e muito menos com o olhar. E não fique triste ao constatar que ele se importa muito mais com seus próprios filhos do que com você: a vida é assim mesmo, e o amor de cima para baixo -de mãe para filho- é muito maior do que aquele de baixo para cima -de filho para mãe.
Ele também vai ficar triste quando, já avô, perceber que seus filhos gostam muito mais de seus próprios filhos do que dele, e vai entender que isso é natural.
Nem bom nem ruim, nem justo nem injusto: apenas é.

Perigosos pensamentos



Domingo, 17 de abril de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Dizem que tudo precisa ser dito, conversado, falado. Mas será mesmo? Se decretarem que um dia no ano, um só, as pessoas vão poder dizer o que lhes passar pela cabeça, o mundo explode em meia hora.
Será possível que duas pessoas, por mais que se gostem, possam mesmo dizer o que às vezes pensam? Não, ninguém suportaria conhecer o verdadeiro pensamento do outro, seja do amado, do amigo, do irmão.
Com maior ou menor facilidade, os impulsos podem ser contidos: a vontade de fumar, de se atirar da ponte, de dar um tiro no marido. Só não se consegue controlar os pensamentos.
Imagine se o papa, na hora de uma daquelas cerimônias do Vaticano em que ele diz sempre a mesma coisa -que está preocupado com alguma crise em algum país do mundo-, se distrair e pensar em sua dor na coluna, e como seria melhor estar na cama com um pijama confortável, sem aquelas roupas engomadas, sem o sapato vermelho de Armani. Nada demais, pois nem pecado é -acho. Mas será que a fé é suficiente para que ele não pense em coisas tão frívolas? E se Sua Santidade achar que pensar em conforto naquela hora é pecado, vai perguntar a quem? Será que papa se confessa?
Crianças, quando muito novinhas, falam tudo o que lhes passa pela cabeça, o que às vezes provoca grande mal-estar. São capazes de dizer para a madrinha que ela é feia, e o pior é quando contam coisas que viram, o que pode ser extremamente perigoso. Dois pés se tocando debaixo da mesa, uma passada de mão entre duas pessoas no corredor ou na cozinha. Elas percebem, e como não aprenderam ainda o que é censura, contam tudo o que viram ou ouviram -isso quando não acontece um sutilíssimo pequeno suborno para que não diga nada.
Dependendo da autoridade de quem suborna, ela até cumpre o acordo, e começa aí seu longo e doloroso aprendizado sobre a vida. Mas criança é criança, e se um adulto não consegue controlar seus pensamentos, ela não consegue controlar sua língua, e um dia conta tudo, e exatamente para quem não devia; eis a encrenca armada.
No final todos se entendem e acaba sobrando para ela, que -vão dizer- inventou tudo, e ainda vai levar pela vida a dúvida sobre se viu de verdade ou se imaginou. Terá visto mesmo ou é má e tem péssimos instintos, como disseram?
Mas de bobas as crianças não têm nada; quando fingem ter tido um pesadelo, entram no quarto dos pais à noite e veem os dois nus na cama, fazem as mais loucas fantasias sobre o que viram, mas não perguntam nem falam nada com ninguém, pois intuem que aquele é um terreno minado.
Eu não disse que os pensamentos são incontroláveis? A ideia era escrever uma crônica com princípio, meio e fim, mas é só a gente se distrair e eles vêm vindo sem rumo, sem freio, e da lembrança de ir à farmácia comprar vitamina C passa-se para remédios e para os genéricos, que têm as mesmas propriedades, custam mais barato, mas nenhum médico receita, para Brasília, a política, os escândalos, o Imposto de Renda que vem voraz, o contador que vai pedir um milhão de papéis impossíveis de serem encontrados, os novos portais, a realidade virtual, o futuro desconhecido, todas as coisas que não conseguimos compreender.
O jeito seria ter uma disciplina mental que impedisse nossos péssimos e inevitáveis pensamentos, mas será que alguém consegue? E será que alguém quer perder esse que talvez seja nosso único direito?