sábado, 24 de setembro de 2011

Perigosas tentações




Domingo, 25 de setembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Encontrar um antigo amor é sempre embaraçoso _ e complicado. Um dos dois fez o outro sofrer, claro, por isso não dá para dizer (nem ouvir) um “oi, tudo bem?”, que poderia soar como uma cruel indelicadeza.

Em lugares com muita gente é possível disfarçar, apertando os olhos e fingindo que ficou míope, por exemplo. Podetambém atender o celular (que não tocou, mas dá para fingir que ele vibrou), e cortar a possibilidade de uma conversa. E conversar sobre o que? Política, o último filme? Sobre o passado? Difícil, um encontro desses, e quando essas duas pessoas tiveram um grande caso de amor há muitos e muitos anos, nunca mais se viram e o acaso fez com que eles se encontrassem, aí é muito grave.
Primeiro é o susto, seguido de uma fração de segundo para reconhecer _ quem diria? _ o que foi uma grande paixão. Essa hesitação acontece com os dois; não que um tenha se esquecido do outro, mastudo aconteceu há tanto tempo, que quando esse encontro acontece a ficha leva alguns segundos para cair.
Ele vai tentar reconhecer nela aquela mulher que tanto amou _ sem conseguir. Ela vai achar que o tempo foi cruel com ele, esquecida de que o tempo passou para ela também.
Mais do que qualquer ruga, foi a expressão do olhar que mudou. Por expressão do olhar entenda-se o brilho das ilusões dos 30 anos, das esperanças, da certeza de que o amor seria eterno. O tempo passa e a vida vai nos fazendo menos crédulas e mais práticas; menos românticas, sobretudo.
Quando eles se olham, se dão conta de tudo isso e de muito mais; sabem que cada marca no rosto, cada fio de cabelo branco, é resultado de outros amores que aconteceram desde a última vez em que se viram, das experiências pelas quais passaram, um sem o outro. É a dolorosa constatação de que a vida passou.
Para elas, é sempre pior, já que as mulheres costumam ser dramáticas. Como é possível perguntar a um ex-grande amor o que aconteceu nos anos em que não se viram, se ele sofreu quando se separaram, se esqueceu, se se apaixonou de novo? E não poder dizer que em todos esse tempo nunca surgiu outro homem que apagasse a lembrança de tudo que eles foram, que quando toca a música que era a deles seu coração ainda bate forte, e que ela nunca perdeu a esperança de que ele um dia aparecesse dizendo que foi tudo um grande erro, que queria ela de novo para sempre; como dizer isso a um homem que não vê há 20anos? Não dá, simplesmente não dá.
Quando esse encontro acontece e os dois vão, civilizadamente, tomar um vinho, a conversa pode ser perigosa, e é melhor que mintam nem mostrem fotos dos filhos. O que está feliz não fala, por delicadeza. E o outro, que não é infeliz nem feliz, também se cala. Problemas sentimentais podem ser contados a amigos, não a ex-amores.
Mas tem pior. É quando ela reencontra esse homem que não vê há tanto tempo, esse homem por quem teria feito todas as loucuras, e não sente absolutamente nada. E pensa: “como é que eu perdi tanto tempo com esse cara?”A auto-indulgência a poupa de pensar “como eu era boba”
Por essas razões e mais umas 500, é prudente deixar o passado em seu devido lugar; mas se acontecer um desses encontros e pintar a vontade de voltar no tempo, é melhor ser forte e resistir à tentação. Mesmo sofrendo, se for o caso.
Em certas coisas não se deve mexer, e o passado é, decididamente, uma delas.

sábado, 17 de setembro de 2011

O luxo


Domingo, 18 de setembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Mesmo para quem já possue casa, carro, casa de praia, etc., sempre existirão objetos de desejo. Supondo que você seja uma pessoa normal, sem grandes ambições de quadros valiosos e jóias inacreditáveis, quais são as coisas que despertam em você aquela vontade louca de ter e aquele prazer imenso quando consegue? Nesses tempos tão modernos, é difícil saber.
Houve uma época em que as coisas mais banais eram uma festa; uma barra de Toblerone comprada no free-shop enchia de alegria os corações infantis _ e os adultos também. Ganhar de presente uma camiseta da Banana Republic ou um cinto da Gap era o suprasumo do prazer, efazer uma viagem, uma emoção indescritível. Tudo era raro, e por isso tão especial. Mas agora, os Toblerones são vendidos nos sinais de trânsito, e as camisetas importadas, nos camelôs. Teoricamente é ótimo: não é mais precisoviajar para ter um pote de mostarda Dijon na geladeira _ lembra da festa que foi, quando o salmão defumado virou o frango da classe média alta? Ótimo é, mas a graça mesmo, essa acabou.
Em qualquer lugar do mundo você come exatamente as mesmas coisas, e pode comprar a mesma bolsa no Rio, em São Paulo, Nova Iorque, Tóquio ou Singapura, todas rigorosamente iguais; as grifes se banalizaram, o que foi lançado a semana passada em Londres, já chegou aqui, e para ter acesso às coisas é apenas uma questão de conta bancária.
Mas apesar de quase tudo ser franqueado, ainda existem coisas especiais, únicas, às quais podemos ter acesso; é só procurar, sem ir atrás das modas. De um pequeno restaurante que não faz parte de nenhum guia gastronômico a uma artesã de uma pequena cidade no interior de Pernambuco, que faz lenços bordados de puro algodão sem um só fio sintético, com suas iniciais bordadas; esse restaurante nunca vai ter filiais, e essa bordadeira nunca vai vender suas peças para nenhuma cadeia de lojas.
Existem coisas bem além da vã filosofia dos consumidores compulsivos, ávidos para comprar o que foi decretado que é moda. A banalização deveria ser crime previsto no código penal, mas quando surge umrestaurante incrível em qualquer lugar do mundo, na semana seguinte caravanas estão se organizando para ir conhecê-lo, só porque ouviram falar.
Nem todos conhecem os endereços onde se encontra coisas que nunca serão popularizadas, mas todos podemos exercer nossa capacidade de sair da mesmice, do comum e da vulgaridade que impera no mundo atual. No lugar de fazer como todo mundo, pesquise, procure e ache um cinto único, uma camiseta única, um restaurante modesto, no fim de um beco, onde vai comer a melhor comida do mundo e que não está em nenhum guia da moda.
Esses achados _ que não são necessariamente caros _ são preciosos, porque foi você quem procurou, encontrou, são únicos, e só você tem; isso é que eu acho que é o verdadeiro luxo. Achava, aliás.
Hoje eu penso que luxo, luxo mesmo, deve ser morar em um país em que se possa andar na rua sem olhar em volta com medo de ser assaltado, em que se abra os jornais durante uma semana, só uma, sem ler sobre malfeitos, palavra que não está nos dicionários, mas que virou sinônimo de corrupção, escândalo, roubalheira.
Deve ser mesmo muito bom.
PS – É hora de pensar, mais uma vez, na inesquecível pergunta de Eliane Cantanhede em artigo aqui na Folha: “afinal, o que é que a baiana e o Sarney têm?”

sábado, 10 de setembro de 2011

Mudanças



Domingo, 11 de setembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Existem pessoas que moram a vida inteira na mesma casa, sem nem mudar o sofá de lugar, e são muito felizes. Já para outras, cada uma tem prazo de validade, e enquanto esse prazo não está esgotado, exercem sua inquietação quebrando paredes, trocando os móveis de lugar. Meu limite são 7 anos, e quando chega a hora, imagino que estou, também, trocando de vida; de modo de viver, digamos. E achando, sempre, que a próxima será a definitiva; nunca é, mas gosto de pensar assim, porque adoro escolher minhas ilusões.
Há 2 semanas me mudei, e não foi fácil. Como meu novo apartamento é menor, tive que esvaziar os armários e muita gente ficou feliz com as heranças. Parte dos livros foram doados a um sebo _ alguns eu nunca tinha lido, outros nem sei porque estavam na estante; fiquei só com os do coração, a mesma coisa com os CD’s. Basicamente, eliminei o supérfluo; aliás, quem precisa de supérfluos?
A cada objeto, cada blusa, cada prato, foi preciso decidir: levo ou cancelo? Tomar uma decisão já é difícil, mas dezenas, durante dias, eu chamo de sofrimento. Afinal, tudo que eu tenho _ tinha _ foi escolhido, comprado com cuidado, querendo muito, e uma separação é sempre dolorosa, mesmo que seja de coisas. Para mim, é.
Mas consegui, já estou instalada, e tem razão quem diz que uma mudança é o terceiro maiorestresse pelo qual um ser humano pode passar. O pior já foi, e agora estou vivendo uma nova fase: ainda não me habituei à casa nova. Quando abro os olhos de manhã, preciso de uns segundos para saber onde estou, o que é meio angustiante, e percebi que estou fazendo uma certa cerimônia com a casa. Evito sentar no sofá novo, e ainda não consegui descer para conhecer as redondezas.
Meus planos eram perfeitos: como estou perto da praia, descer todas as manhãs bem cedo para tomar 1 hora de sol, e, à tarde, dar uma volta, ver o mar, beber uma água de coco. Até agora, não consegui; apesar de estar a 4 quarteirões de onde morava, me sinto uma estrangeira.
Mas dois fatos que aconteceram me fizeram rir muito. Era hora do almoço, precisei falar com o porteiro, aquele que tem quebrado meus galhos; liguei pelo interfone, perguntei por ele, e ouvi a seguinte resposta “foi jogar bola, só volta às 2h”. Que maravilha; em que país do mundo, em que cidade do mundo, um porteiro aproveita a hora do almoço para jogar bola? Mas ainda teve melhor: dois dias depois, procurei de novo por ele, e a resposta foi ainda mais fantástica. “Foi dar um mergulho, volta às 2h”. Só mesmo no Rio.
Rio esse, aliás, que se comportou estranhamente mal no 7 de setembro. Houve manifestações contra a corrupção em várias cidades do país, Brasilia brilhou; no Rio, nada. Mas soube que vão acontecer passeatas na cidade, tomara.
A coisa mais bacana foi não terem deixado nenhum partido mostrar faixas com a sigla, para ficardono da manifestação. Os únicos políticos que têm o direito de participar _ e devem _, são os 9 senadores que se declararam, publicamente, contra a corrupção.
PS – Esse agora famoso cargo de ministro do TCU, tão disputado pelos deputados Aldo Rebello e Ana Arraes, mãe do governador de Pernambuco Eduardo Campos _ que conseguiu até o apoio do prefeito de SP, Kassab _, é o emprego com que todos sonham: vitalício e com um bom salário, para que o ungido não precise se preocupar com o futuro. Eduardo Campos é o filho que toda mãe gostaria de ter.

domingo, 4 de setembro de 2011

Porque não me ufano do meu país



Domingo, 4 de setembro de 2011, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

A classe política nunca foi flor que se cheirasse (fora as exceções, etc.), mas a cada nova eleição ela consegue ficar pior. Fico pensando nesses deputados que absolveram Jacqueline Roriz; o que é que eles dizem a seus filhos? Como se explicam? É bem verdade que, sendo o voto secreto, eles podem sempre mentir e dizer que votaram pela cassação, mas será que cola? Mas ainda tem pior: o vergonhoso secretário de Transportes do Rio, Julio Lopes, que depois da tragédia com o bondinho de Santa Teresa tentou botar a culpa no pobre do condutor que tinha morrido; é de uma falta de caráter revoltante.
Depois dessa tragédia, que deixou 5 mortos e mais de 50 feridos, qualquer Secretário de
Governo (sério) teria a obrigação de se demitir; se não o fizesse, o governador teria a obrigação de demití-lo. Mas como o governador é Sergio Cabral, ele continua no cargo; quando perguntado, 3 vezes, se ia demitir o “secretário”, ele simplesmente não respondeu. Quanto tempo falta para acabar esse governo que o Rio não merece?
Se fosse naArgentina ou no Chile o povo iria para a rua; no Brasil _ no Rio _, o máximo que acontece é uma passeatinha muito frouxa, diante do mar _ isso se estiver fazendo sol, para pegar uma praia depois. Aqui, as coisas não acabam em pizza, mas em samba. O governo é o que é, e a oposição, ninguém sabe, ninguém viu. Enquanto isso, os escândalos se sucedem, e a presidente já deixou claro que não vai continuar a faxina _ “faxina é para acabar com a pobreza”, diz ela. Sem corrupção, presidente, o país teria dinheiro para a saúde, a educação, as estradas, etc., e isso me lembra do que dizia o saudoso ministro Mario Henrique Simonsen: “fica mais barato pagar a comissão e não fazer a obra”.
Tremo em pensar na Copa do Mundo; no preço que vão custar as reformas, nas licitações que não vão haver, devido à urgência _ tiveram todo o tempo do mundo e deixaram tudo para a última hora. Aliás, tanto faz. Alguém acredita que alguma licitação no Brasil é séria? Estamos cansados de saber que é tudo combinado antes, viva a criatividade brasileira. Mas o ministro do Turismo, amiguinho de Sarney, continua firme e forte no seu posto. Aliás, é só olhar para para saber que ele é o homem certo para o lugar certo.
Mais do que pelo dinheiro que vai ser afanado, tremo em pensar que um estádio pode cair, como caem as pontes pelo Brasil a fora, por ter sido mal feito, por terem misturado areia com o cimento, para o lucro ser maior. Houve um tempo em que a corrupção era mais personalizada, para usar a palavra da moda; hoje, qualquer escândalo é seguido por “formação de quadrilha”. Que se trate de Fernandinho Beira-Mar, ou dos mais importantes ministros do governo _ desse governo e do outro, o último _ a corrupção agora é coisa de quadrilha.
E prefiro não fazer as contas de quanto tempo falta para as eleições majoritárias, para não pensar nas caras dos governantes rindo muito e voando, de estado em estado, nos jatinhos dos empresários, para ver os jogos do Brasil. E, a cada vez que nossa seleção ganhar, considerar e fazer cara de que a vitória é um pouco deles.
Cansei, mas vou continuar votando; é o que posso fazer.