domingo, 2 de junho de 2013

TERRA EM TRANSE



Domingo, 2 de junho de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo   

            Para quem não sabe: Millôr Fernandes disse uma vez a um amigo que quando morresse não queria homenagens, mas gostaria muito de ter um banquinho com seu nome no Arpoador, para que os namorados sentassem e vissem o por do sol. Na tarde cinzenta da última segunda-feira o banquinho de Millôr foi inaugurado oficialmente. Banquinho, em termos: projetado por Jaime Lerner e com o perfil de Millôr desenhado por Chico Caruso, virou um superbanquinho.
            Os amigos foram chegando aos poucos, e se acomodando debaixo de uma grande tenda, onde cariocamente eram servidos os carioquíssimos mate, água de coco e biscoitos Globo. Como o Rio é muito animado, uma musiquinha animava a festa, tocando única e exclusivamente bossa nova.
            O elenco era de primeiríssima: o que havia de mais mais em cada setor, nos quesitos jornalismo, arquitetura, poesia, artes plásticas, design, música, boemia, mundo teatral e televisivo, mundo jurídico, etc. etc.; e mulheres, muitas mulheres, como Millôr gostava. Ele era dos poucos homens que tinha amigas, amigas mesmo _ e apenas amigas.
            Houve um momento em que olhei em volta distraidamente, e vi, em cima de uma pedra, um homem exercendo seu duro ofício de estátua viva; nesse dia ele era um verdadeiro pirata, com colares, brinco em uma orelha só, botas, lenço na cabeça. Perfeito, ele não se moveu durante todo o tempo do evento, com o qual, aliás, não tinha nada a ver. Muito curiosa, sua presença.
            Apesar da ausência do homenageado _ por força das circunstâncias _, estavam todos alegres, lembrando, contando histórias. E mais gente chegando, mais gente chegando. Eis que, por detrás das pedras do Arpoador, por detrás do pirata, aparece um casal de noivos, ela vestida da maneira mais tradicional: branco longo, véu e grinalda. Foi um toque quase surrealista, assim do nada. Já estava escurecendo, e eis que do mar começam a surgir homens lindos, que pareciam saídos de grutas no fundo dos oceanos; em relação com a realidade, apenas as pranchas de surfe. Detalhe: foi naquele mar que foram jogadas as cinzas de Millôr.
            Mas melhor ainda foi quando se juntaram a esses homens 8 ou 10 mulatas deslumbrantes, todas vestidas _ despidas, aliás _ como destaques de escola de samba, cada uma com o biquíni de uma cor, penas na cabeça, e de repente começaram a dançar, na areia, com oshomens saídos do mar. De onde tinham vindo, será que eram da mesma festa? Ninguém sabia, e garanto que ninguém tinha bebido, foi tudo verdade.
            Mas nossa festa era outra, e eis que Fernanda Montenegro, convidada a ler um texto do próprio Millôr, foi chamada pelo título “a grande dama do tetro brasileiro”. Ela deu uma risada marota _ pela originalidade, talvez; grande Fernanda. Depois dela falou Helio, irmão de Millôr, com seus juvenis 92 anos, e, como não podia deixar de ser, as “otoridades”: o sub prefeito da Zona Sul da cidade, o responsável pela preservação dos monumentos e, como não podia deixar de ser, os agradecimentos de praxe às firmas que colaboraram com o cimento, a tinta e não sei mais o quepara que o banquinho virasse uma realidade, etc. e tal.
            O mais incrível de tudo: todos viram tudo que eu vi e estou contando, e ninguém nem falou sobre o assunto,achando tudo absolutamente normal, grande Rio de Janeiro.
            Cena de Fellini? Melhor ainda: de Glauber. Só faltou mesmo Paulo Autran, para que se visse, ao vivo e em cores, uma nova versão de Terra em Transe 2013.
            Uma tarde absolutamente inesquecível.

domingo, 26 de maio de 2013

Ah, as mulheres


Domingo, 26 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo   

Eu conheço um homem que, como não leu o livro de Nelson Rodrigues _ Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo _, queria ser amado e ser feliz. De tanto ouvir as reclamações das mulheres sobre os homens, procurou aprender _ e aprendeu _ a não ter nenhum dos defeitos dos quais elas se queixavam tanto, e que eram sempre mais ou menos os mesmos. Não funcionou com a primeira, nem com a segunda, nem com a terceira, aliás, com nenhuma; ele achou estranho, e veio conversar comigo.
           E me contou que trata todas, sempre, superbem, valoriza a mulher amada, cuida e zela, mostra que ela é a prioridade da vida dele; é atencioso, prestativo, ótimo pai, procura dar os presentes certos, aqueles que são seus sonhos de consumo, se empenha em fazê-la feliz, apoia o quanto pode sua carreira, leva-a às Europas que ela não conhece, puxa conversa para assuntos de que ela gosta, repara em sua aparência, seu corte de cabelo, e a elogia sempre. Além disso não se esquece dos aniversários: de casamento, do primeiro dia de namoro, do dia da primeira transa, lembrando sempre com flores, um presente, até mesmo uma viagem; reúne, enfim, todas as condiçõespara ser um ótimo amigo, um pai adorável, e é totalmente desprezado como objeto de desejo e paixão.
           Meu amigo não compreende as mulheres, e não entendeu que o homem com quem se sonha não tem nada a ver com o homem que se ama. Nenhuma mulher vai se apaixonar por um homem que esteja de quatro por ela, adivinhando seus pensamentos, realizando seus desejos, antes mesmo de ela saber que desejos são esses. Ela pode gostar, sim, mas durante 24 horas, 48, enquanto existir aquela dúvida fundamental: que talvez não seja para sempre. É insuportável ser amada acima de todas as coisas o tempo todo, e pior ainda ter uma pessoa ao lado que nos tem como sua prioridade.
           Para que o amor dure, é preciso que exista a dúvida se ele vai sobreviver, até mesmo àquela noite; não saber se ele vai ligar, não saber em que está pensando quando está calado, e sobretudo _ sobretudo _ saber que ele jamais vai lembrar de nenhuma das datas fatídicas, de quando se conheceram, etc. etc., e jantar num restaurante especial e tomar um vinho no Dia dos Namorados. Para um homem ser amado é preciso que ele tenha um mundo particular _ ou vários _, só dele, e no qual ela não consiga, jamais, penetrar. Que seja o futebol, o surf, a astronomia, a corrida de cavalos, a guerra daSiria, tudo vale, contanto que ela não seja a única a ocupar seus pensamentos.
            As coisas muito certas não têm graça; pense nos cassinos, onde uma multidão arrisca seu dinheiro na incerteza, sem saber se vai dar o preto ou o vermelho, o par ou o impar, o 4 ou o 17. Se soubessem, ia ter graça?
            Esse meu amigo não fez tudo errado, não. Ele fez tudo certo, quando mandava flores, quando surpreendia suas amadas com a perspectiva de uma viagem, quando lembrava de seu aniversário na véspera, à meia noite, sem imaginar que ela, chegando aos 42, queria saber de tudo, menos dessa data, razão de sobra pra odiá-lo.
            Ele não pensava no prazer dela, e sim no dele; o prazer de se sentir generoso, magnânimo, o amante perfeito, o que para ele era certamente mais importante do que ser amado. Conseguiu, e não tem do que se queixar.
PS – quem diria que a canção Ne me quitte pas, hino da dor de cotovelo, poderia ser cantada por alguém além deJacques Brel; pois Maria Gadú ousou, e ainda ousou mais, junto com seu arranjador, botando um ritmo. Deu certo, e viva a dor de cotovelo em versão moderna.


domingo, 19 de maio de 2013

ERA UMA VEZ



Domingo, 19 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo          
Outro dia eu estava num café; sentado ao meu lado, um jovem bem jovem, 28 anos, já casado. Havia uma TV, e na tela, cantando e dançando, Ricky Martin. Como sou meio desligada, perguntei ao garoto _um garotão, praticamente_ se o cantor não tinha sido do grupo Menudos. Tive a impressão de ter dito uma palavra em javanês; ele fez um esforço de memória e perguntou: Menudos? Custei a entender: ele nunca tinha ouvido falar dos Menudos. Não que fosse alguém alienado do panorama musical; apenas uma questão de faixa etária.
            Passei uns momentos testando: ele sabia quem havia sido Doris Day? Tinha ouvido falar de Grace Kelly, Rita Hayworth, Ava Gardner? Não, ele nunca havia ouvido falar de nenhuma dessas pessoas. Desisti, claro.
            No início fiquei chocada, mas logo logo me coloquei e imaginei: se ele citasse algum dos cantores de rock atuais, algum conjunto bem moderno, qualquer um, desses que vão tocar no Rock in Rio, sabe qual seria a minha resposta? Zero.
            É muita informação; são muitos cantores, muitos conjuntos, muitos tipos de música, não dá para esperar que a nova geração tenha ao menos ouvido falar dos que foram nossos ídolos. Nos tempos em que a informação era mais discreta, era fácil ter ouvido falar em Napoleão, e fico pensando: o que pode ser desculpado, quando se fala em nova geração? Com que idade se tem o direito de não saber quem foi Gagarin, que Woodstock existiu, que um dia o mar de Copacabana era muito mais próximo dos edifícios, que no Maracanã havia a Geral, de onde os torcedores assistiam às partidas em pé, que todos os apartamentos, mesmo os de quarto e sala, tinham área de serviço e quarto de empregada, que houve maio de 68, no Brasil teve 64, que os alunos dos colégios usavam uniforme e quando o professor entrava na sala de aula os estudantes se levantavam e davam bom dia ou boa tarde, dá para acreditar? E nem faz tanto tempo assim.
            O colégio; no início do ano era cheio de novidades. As crianças ganhavam uma lancheira de metal nova, onde levavam um pãozinho doce, uma fruta que não precisasse de faca _tangerina ou banana_, e só. Ganhavam também uma régua de madeira, um compasso, um lápis Faber nº 1 e outro nº 2 (o apontador era daqueles de manivela, preso na mesa da professora), borracha e uma caixa de lápis de cor. Dependendo da condição econômica dos pais, essa caixa era de seis lápis, 12 ou 18, e essas últimas deslumbravam as mais pobrinhas. E os lápis franceses Caran D’Ache, que só uma das alunas tinha, eram o sonho impossível de todas as meninas.
     Agora acredite: havia aulas de delicadeza, já ouviu falar? Nessas aulas se ensinava, basicamente, a como se comportar, como cumprimentar uma pessoa, como se sentar, e nos boletins, que eram mensais, entre as notas de geografia, matemática etc., também havia as notas de educação física e de comportamento, que contavam ponto para passar ou não de ano.
           Não havia lanchonete; à venda, apenas mariolas, que eram retângulos de bananada passados no açúcar cristal, e paçocas; quem tivesse sido apanhada conversando durante a aula tirava nota baixa no quesito comportamento, além de perder o recreio e ficar de castigo na capela. Se a infração tivesse sido mais grave, o castigo seria ficar de joelhos no milho, aos sábados nos confessávamos para comungar no domingo _em jejum, com um veuzinho branco na cabeça_, quem não fosse à missa caía em pecado mortal, e se morresse antes de confessar e ser absolvida pelo padre, ia para o inferno.
           Tudo isso aconteceu nem faz tanto tempo assim, e nunca ninguém pensou que o ano 2000 fosse chegar.

domingo, 12 de maio de 2013

EVITANDO OS RISCOS


 


Domingo, 12 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
  
É curioso: quando acontece uma tragédia, logo surge uma onda de tragédias iguais ou muito parecidas; agora é a vez desse crime bárbaro que é o estupro. Desde o horror que aconteceu com a turista americana, outros casos foram surgindo, e ultimamente são os adolescentes que têm aparecido no noticiário por abordar suas colegas de colégio de forma pouco respeitosa _ para dizer o mínimo.
          Em São Paulo, garotos se comportam de maneira condenável com meninas da mesma escola, sendo que são todos, eles eelas, muito jovens. A família das meninas se queixam à diretoria do colégio, que por sua vez procura os pais dos garotos, o assunto chega à imprensa e nada _ ou quase nada _ é resolvido.
          Sobre o assunto, o caderno Equilíbrio, da Folha, ouviu diversas opiniões. Rosely Sayão, colunista do jornal, se expressou dizendo que “a sexualidade desses jovens está muito exarcebada e eles não têm noção do respeito”, e continuou: "a fase dos 13, 14 anos é a pior; é quando a efervescência hormonal se junta à hiperestimulação”. Mais adiante, a psicóloga da Unesp, Renata Libório, se dirige à família e à escola, pregando “por que não respeitar a menina, não importa a roupa que ela usa?”  Estão certas as duas, e só me surpreendi ao saber que a sexualidade dos garotos está exarcebada tão cedo: 13, 14 anos? Pensava que nessa idade ainda fossem pouco mais que crianças.
           Fiquei pensando: é claro que família e escola devem fazer de tudo para que esses adolescentes respeitem as meninas, mas sinceramente, é difícil. Basta ligar a televisão, ler as revistas, e ouvir contar que as jovens estão “ficando” com vários garotos nas festas, se e gabam de terem beijado 5, 10 ou 15, nem sei, outra leiloa sua virgindade, todas se vestem de maneira provocante _ e vamos dar esse crédito a Xuxa; foi a partir de seus programas na televisão que a infância começou a ser sexualizada, e que as crianças se vulgarizaram, passando a ter, como sonho de consumo, sapatos desaltinho, unhas pintadas, boca vermelha de baton, como verdadeiras chacretes em miniatura.  
           É claro que o ideal é que as meninas sejam respeitadas, mas para isso, é preciso também que elas ajudem. As famílias devem orientar os filhos a serem seres civilizados, claro, e ao mesmo tempoensinar às filhas a não usarem shortinhos, minissaias de um palmo, jeans que mal cobrem a virilha, tops mínimos, camisetas em cima da pele, e por aí vai. Se aos 13, 14 anos, a sexualidade dos meninos está exacerbada, não deve ser só a deles; a delas também. Desde que o mundo é mundo as mulheres gostam de provocar, de se exibir, de se sentirem desejadas. Faz parte do jogo, mas a sexualidade masculina é mais violenta, e é aí que mora o perigo.
           O mundo não é o que gostaríamos que ele fosse, e os riscos são permanentes, até para quem fica dentro de casa. Quem andar sozinha à noite numa rua deserta vai correr mais risco de ser assaltada, quem estiver vestida de maneira mais provocante vai correr mais risco de ser desrespeitada, quem abrir a porta de casa sem saber quem está batendo vai correr mais risco de ter sua casa invadida. Os meninos têm que fazer a parte deles, e as meninas a delas.
           E tem uma coisa que vejo nos jornais, mas que não consigo compreender. Estupro em ônibus, como assim? Como é possívelhaver estupro dentro de um ônibus?
           Pois tem.

            

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Alguns palpites, algumas curiosidades




Domingo,5 de maio de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo
     
Leio os jornais, vejo TV, presto atenção a algumas coisas _ não ao conflito da Siria _ e me meto em assuntos onde não fui chamada; é mais forte que eu.
     Começando pela PEC das empregadas, assunto que me fascina. Se as novas regras tivessem sido estabelecidas por pessoas mais inteligentes, mais preparadas, é elementar: a PEC não teria que passar por uma regulamentação (que está sendo, aliás, bemcomplicada).
     Li outro dia que uma empregada que ganha em volta de R$ 1.500,00, feitas todas aquelas contas complicadíssimas _ que começam com a divisão do salário por 220 _, vai receber por cada hora extra (noturna) em volta de R$ 10,00. Não foi dito se ela é obrigada a aceitar fazer horas extras noturnas, mas eu, se fosse ela, não aceitaria. Ganhar R$ 20,00 para trabalhar além do expediente, de 10h à meia-noite? Nempensar. E outra coisa: quem trabalha em um apartamento pequeno, 2 horas pordia, duas vezes por semana, como é que fica? Nisso ninguém falou.
     Também não foi falado, mas é bom lembrar, que as empregadas passaram a ter direito a todos os feriados: os 3 dias de carnaval, dia 1 de janeiro, dia de S. Jorge, sexta-feira da Paixão, etc. etc. E não vai mais ser preciso chamá-las de secretarias do lar; agora são empregadas, o que antes era considerado ofensivo. Dúvidas: elas podem se recusar a trabalhar de uniforme? Se não puderem, tente imaginar a cena: servir a mesa em casa de Paulo Maluf, por exemplo, de shortinho de lycra, tomara que caia e sandália havaiana. Mais uma coisinha: o que é considerado justa causa? Tive uma empregada cujo horário era das 10h às 14h, mas que chegava invariavelmente às 12h; seria isto considerado justa causa? A PEC só fala das obrigações dos empregadores, e de nenhuma das empregadas.
      Outro assunto: o direito dos pedestres. Não sei se é ou não permitido que skatistas e ciclistas circulem nas calçadas, mas eles circulam na boa, sem respeitar a mão e a contramão, ai de nós pedestres. E aproveitando a onda, porque não proíbem o celular dentro dos elevadores? Outro dia eu ia para o 21º andar e eram dois que falavam _ sendo que um deles comentava a novela. Se tivesse uma arma eu matava, e qualquer juiz me absolveria.
       E mais um, o último: há muito tempo não ia ao calçadão de Ipanema tomar uma água de coco num quiosque. Fui no feriado, e achei estranho que o coco não tivesse sido aberto como sempre foi; havia nele um furinho muito bem feito, como se fosse por um sacarrolha, para a entrada do canudo (fora a inflação, de 3 para 5 reais). Estranhei, e tive a impressão de estar tomando uma água de coco industrializada, o que não tem a menor graça. Quando terminei pedi para que cortassem o coco, para ter o prazer celestial de comer a carne, com um pedaço da casca servindo de colher; aí soube que, desde o carnaval, isso havia sido proibido.
       Não dá para acreditar; um dos prazeres da praia, diante da natureza espetacular _ para nativos e turistas _, é justamente, depois de beber a água, comer a carne, que às vezes está um creme, às vezesmais sólida, e essa expectativa faz parte do encanto e da maravilha que é se estar num país tropical.
       Hoje, quem bebe a água do coco tem a sensação de estar tomando um refrigerante, sua carne, que deveria ter sido tombada pela Unesco, já era, e gostaria de saber de quem foi essa idéia de jerico.
       Será que o prefeito Eduardo Paes, que se gaba tanto de ser carioca, sabe disso? É isso que se chama choque de ordem?Pobre do Rio de Janeiro.

domingo, 28 de abril de 2013

Se a vida fosse fácil



Domingo, 28 de abril de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Se você pudesse escolher, preferiria ter um marido fiel mas que fosse um mau marido _desses que bebem errado e falam o que não devem, e é, frequentemente, um tédio _ ou um marido infiel e ótimo marido? Difícil escolha, e saiba: um ótimo marido se percebe pelo brilho do olho da mulher.
       Teoricamente, um bom marido é aquele que, em primeiro lugar, não trai, e são esses os que as mulheres mais abandonam. Para que uma paixão continue a existir, é preciso que não se tenha muitas certezas, e nenhuma mulher ama um marido fiel demais. Para tudo há limites, até para a fidelidade.
       Quais são os homens mais inesquecíveis da vida de uma mulher? São sempre os que mais aprontam, mais desaparecem, mais traem _ e não confessam nunca _, mas que a faz mais feliz do que todos os bons rapazes do mundo.
       É mais ou menos simples: se um homem é aprovado por todos, nunca é aquele que faz um coração juvenil bater descompassadamente. Não se pode amar alguém aprovado pela família, pela igreja e pela sociedade. Esses são para casar, o que não tem nada a ver com o amor.
       Nada pode incendiar mais um romance do que a oposição da família; ela costuma ter razão, quando é contra, e a família está sempre unida contra os “maus” rapazes. E o amor, então? Desde os Capuleto e os Montecchio (famílias de Romeu e Julieta, para quem esqueceu) tem sido assim, e não há modernidade que mude essa regra. O que mudou foi que hoje não dá nem tempo de alguém ficar contra, porque aí já acabou. E vamos reconhecer, pais e mães estão certos: nessa hora eles estão pensando em seu próprio sossego e em sua própria tranquilidade, no que estão cobertos de razão. Aliás, quase todos têm sempre razão, e algum dia você viu pais e filhos estarem de acordo? Se estão, alguma coisa deve estar errada.
      Eles querem, para marido de sua querida filha, estabilidade em todos os sentidos, começando pela financeira, e que os sentimentos do pretendente também sejam estáveis. É até melhor que ele não ame apaixonadamente; melhor que tenha um sentimento calmo, maduro, confiável. Enquanto isso a filha, com seus hormônios à flor da pele, anseia por um homem que a enlouqueça e a faça perder o rumo de casa. Esse às vezes até casa (quando ela é rica), mas que ninguém espere dele fidelidade; esquecendo esse pequeno detalhe, costumam ser ótimos maridos, capazes de levar a mulher para um motel numa tarde de segunda-feira, ou a um fim de semana em Nova York, a troco denada _ as crianças ficam com a babá, qual é o problema? E se for flagrado às 2h da madrugada tomando um uísque na sala, lembrando de como era boa a vida desolteiro, quando a mulher chega devagarzinho e faz a pergunta, aquela _ “em que você está pensando?” _ ele vai responder, com a maior sinceridade, “em você, amore”. Ela não vai acreditar, mas fica na dúvida: e se for verdade? Esse é um bom marido, e esse casamento vai durar _ sobretudo se o pai dela continuar rico.
    Mas afinal, você quer saber o que preferem as mulheres, se um marido fiel ou infiel? Refleti sobre o assunto, e acredito que a solução deve ser um homem fiel fingir que é infiel, e o infiel fingir que é fiel. Simples a vida, não?

PS 1 _ Para mandar um Sedex (um envelope com UMA folha de papel), do Rio para São Paulo você paga R$ 30,00.
PS 2 – E Rose, hein? Ela é a cara do PT.
      

domingo, 21 de abril de 2013

Pense Melhor


Domingo, 21 de abril de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Qual a coisa mais preciosa do mundo? Não é dinheiro, nem amor, nem poder, e vou dar uma pista: não tem forma, nem cheiro, nem cor, não pode ser emprestada, nem dada, nem comprada. Não se vive sem, mas muitos fazem bobagens, um dia precisam dela para viver, mas aí pode ser um pouco _ ou muito _ tarde. Adivinhou?
 As pessoas começam a fumar cedo: porque é moda, para mostrar que não seguem as modas, ou por qualquer coisa tão boba quanto. Aconteceu comigo.
Fumei todos os cigarros a que tive direito, e houve um momento em que escadas e ladeiras viraram um verdadeiro suplicio. O curioso _ e trágico _ é que nunca nenhum amigo (e foram muitos), ao me ver assim, me disse que o problema era o cigarro. E como eu não sabia, quando parava para descansar, num café ou num banco de rua, relaxava fumando mais um cigarro, ai ai.
Há alguns anos fiquei mais ou menos e parei, claro. Quando voltei a me sentir bem, achei que fumar um cigarrinho ou dois não me faria nenhum mal, e tive pequenas recaídas. Como sou ansiosa, e se puserem uma caixa de chocolates perto de mim vou comer até o último, com oscigarros é a mesma coisa _ sem comentários.
Comecei então a inventar pequenos truques: comprava dois cigarros no varejo, na banca de jornais; à noite, se fosse preciso, comprava mais dois. Dessa forma, eu achava que havia vencido o vicio, mas se algum amigo tirava um maço do bolso eu me atirava como se fosse a mais miserável viciada em crack. Houve vezes em que, num restaurante _ no tempo em que ainda se fumava em restaurantes _ eu via alguém fumando, chegava perto e dizia, na maior simplicidade, “eu deixei de fumar, será que posso filar um cigarrinho?” Não há maior solidariedade do que entre viciados, sejam eles em cocaína, heroína, ou nicotina. As pessoas a quem eu pedia um cigarro eram todas simpáticas, nunca nenhuma delas me disse não; sempre sorrindo, cúmplices, compreensivas.
A vida foi correndo solta, até que em uma viagem a um país onde cigarros não são vendidos no varejo, comprei um maço. Foi o primeiro de muitos; voltei péssima, as coisas tinham ido além do limite. Tive medo, parei no tranco, mais uma vez, e entendi que com vícios não dá para brincar.
 Hoje, quando vejo uma pessoa fumando na rua tenho vontade de parar, sacudí-la pelos ombros  e contar o que foi o cigarro na minha vida. Mas lembro que quando ouvia um discurso contra o fumo, acendia um, só para provocar; como se pode ser tão idiota?
 O cigarro é um vício traiçoeiro: custa barato, pode ser comprado em qualquer botequim, e não é crime. Além disso, é _ aparentemente _ o companheiro na hora do estresse, da solidão, da festa, da tristeza, enfim, de todas as horas.
Eu me convenceria de que o cigarro não faz mal se visse, numa reunião de diretoria de um Marlboro da vida, quando são discutidas as novas técnicas de marketing para aumentar as vendas, todos fumando. Aliás, se fosse um só diretor, já me convenceria.
Dá para acreditar que alguém ponha um tubinho na boca, acenda e aspire, várias vezes por dia, sabendo que _ é inevitável _ um dia vai sofrer de falta de ar?
Como eu dizia, a coisa mais importante que existe na vida não tem cheiro, nem forma, nem cor, e não se compra com dinheiro nenhum: é o ar que se respira.
PS – Quanto mais cedo você parar, melhor, mas é sempre tempo. Para mim, foi.


terça-feira, 16 de abril de 2013

O MEDO, O LUXO, A PEC


Domingo, 14 de abril de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Tem dias que a gente acorda e fica com medo; isso me aconteceu esta semana.
Tive medo quando vi as fotos dos índios que invadiram o hotel Fazenda da Lagoa, no sul da Bahia. Há pouco tempo, 1 ou 2 meses, conheci o hotel, através de um programa de TV sobre arquitetura; o local parecia o paraíso sobre a terra.

Era mesmo muito bonito, e dizer que era um hotel de luxo é maneira de falar; na verdade, os bangalôs, a decoração feita apenas com o artesanato local, os jardins, era tudo que podia haver de mais simples e mais brasileiro, e de um enorme bom gosto, o que o tornava luxuoso, no sentido puro da palavra (nos dias de hoje é preciso ter cuidado com esta palavra, pois há quem fique a favor de qualquer invasão, quando ouve falar em luxo. Saber que uma propriedade foi invadida traz insegurança, e fico pensando no que deve ter sido para os donos que trabalharam 10 anos para fazê-lo admirado no mundo todo. A Funai fez com que os índios saíssem do hotel, mas e se eles voltarem, qual a solução? Botar um bando de seguranças em volta do hotel, no meio dos coqueiros?  

Por mais que o mundo seja hostil, não há refúgio que nos pareça mais seguro do que nossa casa, seja ela um castelo ou um casebre; é nela que nos sentimos protegidos, e quando se imagina que esse espaço pode ser violado, vem o grande medo. Já me aconteceu: há muitos anos, cheguei em meu apartamento e encontrei-o todo revirado; tinha sido assaltado. Foi terrível ver minhas gavetas abertas, minha cama usada, a casa toda mexida. O roubo não teve importância, diante da violência que foi a invasão de minha casa.

E agora vamos a meu assunto predileto, atualmente: a Pec das domésticas, e são duas historinhas verdadeiras. Uma amiga foi contratar uma empregada, e se surpreendeu com a proposta da candidata: por razões pessoais, ela propôs um horário de 16h às 21h. Minha amiga ficou radiante: ela sai de casa para o trabalho às 10h e chega, dependendo do trânsito, entre 18h e 19h. Assim, teria quem lhe preparasse um jantarzinho, mas aí, pensou, seria hora extra noturna o que para ela seria muito caro. A pretendente ao emprego só estava disponível nesse horário, e como não encontrava trabalho, abriu mão da hora extra noturna, só queria um bom salário. Se acertaram, mas aí criou-se o problema. Segundo a Pec, mesmo as duas partes estando de acordo e assinando um contrato, não pode, pois fica fora da lei. E agora?

Outro caso: um casal muito muito rico, tem duas empregadas há uns 15 anos, que dormem no emprego. Quando veio a Pec, a dona da casa _ que não suporta a idéia de ter um livro de ponto em casa, e ao mesmo tempo quer ter o direito de pedir um chá às 10h da noite _, fez as contas com o contador, soube o quanto lhe custaria pagar as horas extras, e chamou as duas para conversar. Nenhuma delas queria virar diarista, pois estavam gostavam do emprego e tinham, cada uma, seu quarto confortável, ar condicionado e televisão; foi combinado, então um bom aumento. Os principais direitos elas já tinham, foi então acrescentado o FGTS, e como nenhuma das duas pretendia ter filhos, os auxílio creche e maternidade estavam fora da questão. O que o empregador não aceitava era se sentir vigiada pelo Grande Irmão, de George Orwell, a cada vez que pedisse um chá às 10h da noite. As partes se acertaram, mas talvez estejam vivendo na ilegalidade.

Tenho a impressão que o governo está interferindo um pouco mais do que o tolerável na relação entre empregado e empregador notrabalho doméstico.

PS – O prefeito do Rio inventou uma multa altíssima para quem jogar um só amendoim nas ruas da cidade. Quem comprar um chiclete no jornaleiro vai ter que engolir o papel, pois as (poucas) latas de lixo do Rio são do tamanho de uma sacola Chanel.






domingo, 7 de abril de 2013

A MODA: E ISSO PEGA?



Domingo, 7 de abril de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Quando vim morar no Rio, vindo de Vitoria _ eu era uma criança _, lembro que em Copacabana, onde morava, existia um único personagem gay. Seu nome era Bob; quando visto na rua, era um acontecimento, e logo se comentava “eu vi o Bob hoje” _ e em que lugar, e como estava vestido, e todos os detalhes. Ninguém o conhecia, de conversar, mas ele era uma pessoa que fazia parte da vida do bairro, e era o único.

O tempo foi passando, outros gays foram surgindo _ atores, cantores, artistas em geral _, e ainda mais tarde muitos amigos foram, aos poucos, saindo do armário. No início se comentava, discretamente, essas modificações sexuais; depois, nem foi mais preciso, pois não havia nem mais armário onde as pessoas se escondessem, e a vida ficou mais prática.  O que eu não entendo: será que no tempo em que _ aparentemente _ só existia Bob, a comunidade gay era tão grande como no presente, só que todos se escondiam? Hoje, às vezes, a existência dessa população parece maior do que a dos héteros, e num domingo de verão em Ipanema só vendo para crer: são bandeiras em arco-iris, tangas extravagantes, alguns de brincos, pulseiras, colares, cabelos de todas as cores e formatos; a paquera é franca e aberta, prova da liberdade que têm todas as pessoas, nos dias de hoje, de escolher o que querem ser, em matéria inclusive de sexo. Mas eu me pergunto: nos tempos passados, será que eram tantos assim, só que enrustidos, ou essapopulação cresceu tanto? Não sei se é a onda _ ou moda _ do casamento gay, de que tanto se fala, que pegou, como tantas modas pegam ou não. Mas penso queninguém se torna gay de repente, só porque está na moda; alguma semente deve existir, lá no fundo do peito, desde sempre, e como não existem mais os problemas de repressão, quem tinha razão era Cole Porter, em sua maravilhosa canção, Anything goes (numa tradução livre, Tudo é válido).

Tudo bem, tudo certo, só que _ volto a dizer _ ninguém fica homossexual porque está na moda, e é aí que entra uma outra indagação que não tem nada a ver, mas pensamentos são assim mesmo: vão chegando e não têm nada a ver um com o outro.

 Existem os que não sabem cozinhar um ovo, e por mais que esteja na moda nos dias de hoje, para homens e para mulheres, entrar na cozinha e fazer um prato maravilhoso, não é esse fato que vai ajudar ninguém a fazer um ovinho mexido delicioso. Ou você nasce com o dom divino de lidar com as panelas, ou não, e isso não se aprende: é dom mesmo.

Mas eis que hoje você liga a televisão, abre uma revista, e se dá conta de que todo mundo agora é chef. Todas as mocinhas e rapazes que não sabem o que ser na vida, fazem um curso em Paris, Londres ou Nova York, viram estrelas dos restaurantes mais fantásticos, e eu não consigo  entender que tantas pessoas tenham adquirido esse talento que, no meu entender, vem do berço: o de cozinhar bem. Para mim, ou você nasce com tendência a ser gay, ou a mão boapara fazer um belo prato na cozinha, porque certas coisas são difíceis de improvisar.

         O mais provável? Que eu cada vez entendo menos desse mundo.
        

domingo, 31 de março de 2013

O assunto do dia




Domingo, 31 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Quem sempre teve uma relação correta com sua empregada, está tranquilo. Afinal, férias, 13º, INSS, são coisas que nem precisariam de lei para existir, e além de serem justas, fazem com que as relações entre empregada/empregador sejam amenas e pacíficas, o que torna avida melhor para todos. Mas nenhuma lei é perfeita, vide a proibição de dirigir depois de beber; se é possível se recusar a fazer o teste, que lei é essa?
Uma das coisa mal resolvidas é a carga horária. A idéia é que sejam até 44 horas semanais, praticamente 9 horas detrabalho de 2ª a 6ª, o que é demais para qualquer mortal, já que esse trabalho é, na maior parte das vezes, físico, e descansar uma hora, no meio do expediente, como, onde? Na sala, vendo TV? Por outro lado, não há quem precise de uma doméstica tantas horas seguidas, a não ser uma família com pai, mãe e 4 filhos, em que ninguém arruma sua cama, as roupas são largadas pelo chão, cada um almoça e janta na hora que quer, e aí nem as 9 horas diárias vão ser suficientes. Já pensou, explicar aos adolescentes _ e seus amigos, já que eles só andam em turma _ que não dá para pedir vários lanchinhos várias vezes por dia?
Por tudo isso e mais alguma coisa, acho que esqueceram de falar, nessa nova lei, da remuneração por hora de trabalho. Afinal, o horário de uma diarista varia: existem as que trabalham duas horas, 3, 4 ou 5 _ e outras, 9. Os que moram em apartamentos grandes vão precisar de uma empregada em tempo integral e vão pagar por isso; mas para quem vive num quarto e sala, duas horas de trabalho, duas vezes por semana, são mais do que suficientes. É claro que o preço para duas horas não é o mesmo que para 9, e quem tem um emprego de duas horas, duas vezes por semana, pode perfeitamente ter mais dois ou três (empregos). E mais: se o empregador tiver que pagar auxílio creche, auxílio colégio, salário família e estabilidade em caso de gravidez, então só sendo milionário para poder ter uma empregada. Aliás, só pra saber: se for estipulado o preço da hora de trabalho, o preço vai ser o mesmo para quem mora em Caxias e o quem tem uma cobertura com piscina na Delfim Moreira? Só pra saber.
Tenho passado as noites em claro, apavorada, já que sou totalmente dependente de uma ajuda doméstica. Já tivevários tipos de vida, desde morar em apartamento grande e ter 3 empregadas, a um pequeno conjugado onde alguém vinha uma vez por semana dar aquele toque de talento que Deus não me deu. Que felicidade, entrar numa casa, seja ela imensa ou mínima, e sentir que por ali passou uma abençoada mão de fada.
Eu troco essa ajuda por qualquer vestido, qualquer carro, qualquer viagem, qualquer joia, porque para mim esse é o maior dos luxos: uma casa bem arrumada e cheirosa. E espero que as novas leis me permitam, sempre, pagar o que merece a dona desse talento, que para mim vale ouro. Mas a partir de agora vou prestar atenção e contratar mães de filhos já crescidos, até porque em qualquer lugar do mundo a obrigação de dar creche e colégio é do governo.
Assim é essa Pec; imperfeita, e dando pânico de contratar uma nova funcionaria. E se não der certo? Demitir vai sair tão caro que trabalhar como arrumadeira será praticamente ter estabilidade no emprego, como os funcionários públicos; e demissão, praticamente, só por justa causa.Aliás, o que é que caracteriza a justa causa? As empregadoras não sabem, mas pergunte a qualquer candidata a um emprego doméstico; todas elas sabem, na ponta da língua, o que não podem fazer, para não correrem o risco de uma justa causa.É curioso o mundo moderno: um marido pode ser dispensado por incompatibilidade de gênios, e uma empregada doméstica não.





domingo, 24 de março de 2013

A PEC das empregadas



Domingo, 24 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

Essa Pec das empregadas precisa ser muito discutida; como foi mal concebida, assim será difícil de ser cumprida, e aí todos vão perder. A intenção de dar as melhores condições à profissional, faz com que seja quase impossível que o empregador tenha meios de cumprir com as novas leis; afinal, quem vai pagar esse salário é uma pessoa física, não uma empresa. Vou fazer alguns comentários sobre as condições _ diferentes _ em que trabalham as domésticas aqui e em países mais civilizados.
           Vou falar da França e dos Estados Unidos, que são os que mais conheço. Lá, quem mora em apartamento de 2 quartos e sala, é considerada privilegiada, mas nenhum deles tem área de serviço nem quarto de empregada (costuma existir uma área comunitária no prédio com várias máquinas de lavar e secar, em que cada morador paga pelo tempo que usa); uma família que vive num ap desses tem _ quando tem _ uma profissional que vem uma vez por semana, por um par de horas. É claro que cada um faz sua cama e lava seu prato, e a maioria come na rua; nessas cidades existem dezenas de pequenos restaurantes, e por preços mais do que razoáveis.
           Apartamentos grandes, de gente rica, têm quarto de empregada no último andar do prédio (as chamadas chambres de bonne, que passaram a ser alugadas aos estudantes), ou no térreo, completamente separados e independentes da família para quem trabalham. Essas domésticas _ fixas e raras _ têm salario mensal, e sua carga horária é de 8 horas por dia, distribuídas assim: das 8h às 14h (portanto, 6 horas seguidas) arrumam, fazem o almoço, põem a casa em ordem. Aí param, descansam, estudam, vão ao cinema ou namoram; voltam às 19h, cuidam do jantar rapidinho (lá ninguém descasca batata nem rala cenoura nem faz refogado, porque tudo já é comprado praticamente pronto), e às 21h, trabalho encerrado. Mas no Brasil, muitos apartamentos de quarto e sala têm quarto de empregada, e se a profissional mora no emprego, fica difícil estipular o que é hora extra, fora o “Maria, me traz um copo de água?”. E a idéia de dar auxilio creche e educação para menores de 5 anos dos empregados, é sonho de uma noite de verão, pois se os patrões mal conseguem arcar com as despesas dos próprios filhos, imagine com os da empregada. Quem vai empregar uma jovem com dois filhos pequenos, se tiver que pagar pela creche e educação dessas crianças? É desemprego na certa.
           Outra coisa esquecida: na maior parte das cidades do Brasil uma empregada encara duas, três horas em mais de uma condução para chegar ao trabalho, e mais duas ou três para voltar para casa, o que faz toda a diferença: o transporte público no país é trágico. Atenção: não estou dando soluções, estou mostrando as dificuldades.
            Na França, quando um casal normal, em que os dois trabalham, têm um filho, existem creches do governo (de graça) que faz com que uma babá não seja necessária, mas no Brasil? Ou a mãe larga o emprego para cuidar do filho ou tem que ser uma executiva de salário altíssimo para poder pagar uma creche particular ou uma babá em tempo integral, olha a complicação.
            Nenhum país tem os benefícios trabalhistas iguais aos do Brasil, mas isso funciona quando as carteiras das empregadas são assinadas, o que não acontece na maioria dos casos; e além da hora extra, por que não regulamentar também o trabalho por hora, fácil de ser regularizado, pois pago a cada vez que é realizado? Se essa Pec não for muito bem discutida, pode acabar em desemprego.

PS – É difícil saber quem saiu pior na foto esta semana: se D. Dilma, dizendo em Roma que a culpa pelas tragédias de Petrópolis se deve às vítimas, que não quiseram sair de suas casas, ou se Cristina Kirchner, pedindo ajuda ao papa no assunto das Malvinas.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Os preconceitos



Domingo, 17 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


Vamos falar a verdade: o governo de Fernando Henrique fez muito pela queda dos preconceitos e a valorização das minorias em geral. Mas devemos reconhecer que o PT fez muito mais: deu voz forte às mulheres e aos afro-descendentes, voz que eles talvez nunca tenham tido antes. Desde que D. Dilma assumiu o cargo, sempre que houve uma brecha ela colocou uma mulher, e nem sei quantas existem em cargos importantes (nem se estão dando conta do que fazem), mas sei que são muitas. Talvez até mais do que seria preciso, para que o universo se convença da igualdade entre homens e mulheres.

          Mas em 10 anos de PT, existe uma minoria que não foi contemplada com nenhum cargo importante: a minoria gay, que nem é tão minoria assim.

          Na parada gay de São Paulo eles conseguem lotar a av. Paulista com centenas de milhares de pessoas entre gays e simpatizantes da causa. Eles existem _ e eu conheçomuitos; são médicos, advogados, arquitetos, engenheiros, enfim, estão em todos os setores, para não falar na vida artística. Mas nos ministérios, na presidência, nas diretorias das grandes Estatais, nunca se ouviu falar de nenhum; porque será?

          A ministra da Cultura sempre prestigiou a parada Gay, mas nem agora, com o poder na mão, convidou algum _ ou alguma _ representante da classe para colaborar com ela. Pode ser até que exista um ou uma homossexual, em algum cargo modesto, mas que ainda não saiu do armário. Aliás, não sejamos ingênuos: é claro que em postos altíssimos da República devem existir muitos gays, só que ainda enrustidos, e não é desses que estamos falando. Mas daqueles sobre os quais não existe a menor dúvida, e que se assumem como tal. Se os prefeitos de Nova York, Paris e Berlim _ e excelentes prefeitos, tanto que foram reeleitos _ são gays, porque o Brasil não pode ter um ministro assumido? E por falar na ministra, acho que ela só existe para fazer a ponte entre os héteros e os gays, para que não pensem que o PT não gosta dos gays.

          Voltando: o PT está no poder há 10 anos e não me recordo de ter ouvido falar de ninguém do partido que seja assumidamente gay, então vamos combinar: para acreditar que o PT quer mesmo acabar com os preconceitos e é mesmo contra a intolerância e a favor da aceitação da pluralidade e das diversidades _ todas _, é preciso que algum figurão petista, gay, seja candidato ou assuma um posto importante nogoverno. Seria bacana, ver o ex-presidente Lula num palanque, pedindo votospara um candidato gay assumido. Vamos lá, Lula? A reforma ministerial está por pouco e a campanha já começou, dois bons momentos que não podem ser desperdiçados, a não ser que o PT seja preconceituoso em relação aos homossexuais.

            Será que ele é?

        P.S. -  Todos estamos cansados de saber que as mulheres são capazes de tudo, e está aí D. Dilma provando que são mesmo; mas vamos admitir que mesmo as pessoas mais liberais têm, lá no fundo, um rançopreconceituoso, e às vezes ele se revela, inconscientemente. Aconteceu, no Dia Internacional da Mulher.

        Foi exatamente este o dia que D. Dilma escolheu para desovar mais uma de suas bondades: a desoneração da cesta básica. Cesta básica é coisa de cozinha, e quem fala em cozinha pensa em mulher; ato mais do que falho da presidente.

         

segunda-feira, 11 de março de 2013

Pobre país




Domingo, 10 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Lembro bem; era um domingo de sol em outubro ou novembro de 1955, e acordei com o rádionoticiando que o hotel Vogue estava pegando fogo.

       O Vogue era na Princesa Isabel, no Rio, e no andar térreo funcionava a boate mais famosa da cidade. Era lá que se encontravam os políticos (a capital da República ainda era aqui), as beldades e o high society em geral. Não havia jantar, cock-tail, festa, que não terminasse no Vogue, onde as crooners eram Linda Batista e Araci de Almeida, olha que luxo; às vezes aparecia Dolores Duran para dar uma canja. Só saiamos de lá com o sol raiando, e viviamos intensamente os anos dourados, onde se nem todos eram felizes, todos pareciam ser. Foi a melhor boate que o Rio já teve em toda sua história.

       No dia do incêndio a cidade inteira foi para a porta do hotel. Ou pelo menos todos os amigos dos que lá moravam. A agonia foi lenta, durou horas. As escadas do hotel eram forradas de madeira, o que ajudou o fogo a rapidamente chegar ao último andar (eram 12). Como num incêndio não se pode usar o elevador, e pelas escadas em chamas ninguém podia descer, ficaram todos em seus quartos esperando por ummilagre, o que não aconteceu.

        Chegaram os bombeiros, mas suas escadas iam só até o 4º andar; um boêmio muito conhecido na época, o Dantinhas, teve sangue frio para conseguir se salvar. Ele pegou oslenções, amarrou um no outro, molhou, para que os nós não se desfizessem, se vestiu inteiro _ conta a lenda que não se esqueceu nem de botar a pérola nagravata _ e desceu pelos lençóes até encontrar, mais abaixo, a escada dos bombeiros. Foi o único que se salvou (e quando chegou na rua não falou com ninguém; foi para um bar ali perto, onde tomou uma garrafa de uísque inteira).

        Os recém casados Glorinha e Waldemar Schiller foram encontrados abraçados, mortos, dentro da banheira, e duas pessoas se jogaram da janela, entre elas um cantor americano que fazia o show do Vogue naquele momento. Foi uma tragédia que abalou o Rio de Janeiro; quem viu nunca esqueceu.

        Promessas foram feitas pelo chefe do Corpo de Bombeiros, pelas autoridades; aquilo havia sido uma lição, nunca mais nada de parecido aconteceria. Pois esta semana, 57 anos depois, a história se repetiu. Um prédio no Leblon pegou fogo _ e a tragédia só não foi maior porque o prédio tinha apenas 4 andares. Mas um casal não resistiu às chamas, se atirou e morreu - ela com 33 anos, ele com 57; eles pareciam muito felizes.

        A assessoria do Corpo de Bombeiros declarou que no Rio existem apenas três unidades que contam com plataformas e escadas; escadas tão curtas que nem chegam ao quarto andar. E o hidrante não tinha água, claro.

        Dizer o quê? Que o Brasil continua o mesmo de 57 anos atrás, que ninguém faz nada para melhorar os serviço mais elementares, que os boeiros explodem, as escadas dos bombeiros são pequenas, mas que, segundo nossos dirigentes, o Brasil _o Rio, sobretudo_ está bombando? O governador declarou que o socorro foi de padrão internacional, que tal? Claro, ele deve estar comparando com Paris, onde passa a maior parte do tempo; já o nosso prefeito só pensa em carnaval, em samba, em alegria. Eu preferia ter um prefeito e um governador mais sérios, que cuidassem mais danossa cidade e de seus habitantes. Aliás, não me consta que o prefeito esteja estudando uma solução para os blocos, que este ano passaram de todos os limites; ele acha que legal é uma cidade animada.

        Tem horas que nem sei o que dizer. Será que esse país não vai ter jeito nunca? As escadas dos bombeiros eram e continuam sendo pequenas? Então, feche-se o Corpo de Bombeiros, por sua inutilidade.

        E aproveitando o embalo, fecha-se Brasilia.      
 

domingo, 3 de março de 2013

Um homen fiel



Domingo, 3 de março de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo


 As mulheres são curiosas. Outro dia ouvi de uma amiga a seguinte pérola: “não é nem que eu esteja assim tão apaixonada, mas estou com XXX porque ele é incapaz de me trair”. A certeza com que ela disse isso _ e a felicidade _, me levaram a pensar: será que essa é mesmo amaior qualidade que se pode querer de um homem? Que ele seja incapaz de nostrair? É um caso a pensar.
       Naturalmente nenhuma mulher está querendo que o homem com quem pretende compartilhar a vida saia atrás da primeira mulher que passar pela frente; mas é preciso que o homem que se ama seja capaz de quase tudo, e nesse quase tudo está incluída a capacidade de achar graça em muitas mulheres; aliás, em quase todas. E é essa capacidade que põe a mulher louca _ por ele. Está-se falando de amor, claro, e qual a mulher que consegue amar sabendo que o homem que ama é incapaz de trai-la, que ela pode passar a vida fazendo qualquer coisa _ ou nada _ que vai ser amada da mesma maneira?
       O que conserva o amor em altíssima temperatura é a incerteza, é a dúvida. Será que ele foimesmo a um jantar de trabalho? Será que foi mesmo ao futebol? E quando o celular tocou e ele disse que não podia falar, que ligava depois, não seria uma mulher? Claro que era, ela vai pensar. E vai viver no fio da navalha, sem certeza alguma do que está se passando, razão mais do que suficiente para não conseguir dormir, para viver atenta, prestando atenção a tudo, sobretudo aos silêncios. Viver à beira do precipício é o maior combustível para uma paixão, e muitos confundem insegurança com sentimentos mais profundos.
       Uma mulher que não tem muita certeza da fidelidade do seu parceiro nunca será vista precisando pintar a raiz dos cabelos ou sem pelo menos um pouquinho de maquiagem. Ela sabe que vive sempre por um fio, e nada melhor para alguém se sentir viva do quesaber que a qualquer momento pode ganhar _ ou perder _ a vida, o dinheiro, o homem amado. Estabilidade? E alguém tem estabilidade em alguma coisa? Se alguém achar que tem, além de ser um ingênuo, vai perceber que é a morte em vida.
       Que você seja a pessoa mais rica do mundo, mais bonita, mais poderosa, pode acontecer de um dia, em um minuto, perder tudo. Se houver uma revolução, o mais rico de todos pode ficar pobre _ e até ser preso; se a mais linda tiver a pouca sorte de passar num desses bueiros que no Rio às vezes explodem, corre o risco de irpara o hospital para cuidar de suas queimaduras, e dizem que dor maior não há; e o poder _ bem, basta ler os jornais, qualquer um, de qualquer país, para ver que se trata de uma gangorra. Faça um exercício de memória e lembre dos nossos governantes do passado, que saíram debaixo de escândalos, e onde eles estãoagora, poderosíssimos de novo; nesse ramo, mais do que em qualquer outro, tudo acontece, inclusive o impossível.  
       É essa certeza de não poder saber nada sobre o futuro que pode, às vezes, trazer uma notícia maravilhosa _ embora seja raro _, ou acabar com suas ilusões e até com seu mundo.
       Complicado, mas esse talvez seja o sal da vida.   

sexta-feira, 1 de março de 2013

Não Chore Guilhermina




Domingo, 24 de fevereiro de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo

      Passei a detestar clubes desde o dia em que, há muitos anos, presenciei uma conversa entre alguns sócios de um famoso clube do Rio, o Country. Nesse tempo a garotada tinha amania de roubar carros, dar umas voltas no quarteirão e depois largá-los emqualquer lugar. Detalhe: não eram ladrões, apenas adolescentes brincando detransgredir.
      Só que nesse dia a polícia viu, e foi atrás; os meninos, apavorados, entraram no estacionamento do Country (eram filhos de sócios), e a polícia foi atrás. O final dessa história não importa, mas nunca esqueci do que ouvi. Segundo esses sócios, a polícia não tinha o direito de entrar num clube privado, que tal?. Foi a partir daí que comecei a detestar clubes e, mais ainda, os que ditam as regras dosclubes.
      No Country é assim: a pessoa que pretende ser sócia, em primeiro lugar compra um título _ entre R$ 500.000,00 e R$ 1.000.000,00; depois paga o mico de ter seu nome estampado num quadro, e se arrisca a pagar um mico ainda maior, o de não ser aceito (as famosas bolas pretas), e ter que fingir que nada aconteceu. Ninguém jamais saberá por que razão a pessoa levou bola preta, e também jamais saberá quem deu a(s) bola(s) preta(s). Esse é um ato de covardia explicita, e como no clube ninguém tem assunto, um prato para os sócios. O alvo predileto dos que votam costuma ser mulheres solteiras e bonitas; eles sabem, intuitivamente, que a elas jamais terão acesso. E tem o grupo das mulheres, que pressiona os maridos para votar contra, porque não querem no clube mulheres solteiras e bonitas, ai ai.
       O Country é um clube decadente, frequentado por pessoas _ excetuando algumas poucas _ tão decadentes quanto. Gente que não tem coragem de se expor, e passa a vida almoçando, jantando, casando, traindo, roubando, dando pequenos golpes dentro da própria família, protegida pelas paredes do clube; lá tudo pode e tudo é perdoado, desde que aconteça entre os sócios. É como se fosse um país dentro de outro país, com um presidente, seus ministros, suas fronteiras, suas leis. Não sei onde tem mais mofo, se nos sofás ou nas cabeças desses frequentadores, que adoram seus privilégios: as piscinas, as quadras de tênis, a liberdade de assinar as notas para pagar no fim do mês _ quando pagam. Como os sócios estão, em boa parte, falidos, podem comer seu picadinho _ ruim _ lembrando dos velhos tempos. Bom mesmo vai ser no dia em que um deles escrever um livro contando  as histórias do clube, que devem ser de arrepiar, mas vai ser difícil: quando você fica sócio, passa automaticamente a fazer parte de uma sociedade secreta, tipo uma máfia, onde a ormetà (voto de silêncio) é sagrada. Tudo pode _ e põe tudo nisso _, desde que seja só entre eles.
        Logo que cheguei de férias soube do affair Guilhermina Guinle, que tentou ser sócia do clube mas foi bombardeada por bolas pretas. Pensei, pensei, e não entendi. Por que uma mulher bonita, charmosa, rica, de sucesso, quer ser sócia do Country? E pensei que, como todos os que já receberam as tais bolas pretas, ela mereceu: é o castigo de querer pertencer ao clube mais gagá do Brasil. Dá para entender que uma pessoa pague uma fortuna pelo título de um clube em que alguns poucos vão decidir se ela pode frequentá-lo? E é possível alguém querer frequentar um lugar em que é preciso pedir licença para entrar, e essa permissão ser dada _ ou não _ por um pequeno grupo cujo momento de gloria é a reunião do clube, onde podem dar vazão às suas frustrações e se vingar da vida? Não dá para entender mes-mo.
        Aliás, seria uma boa idéia desapropriar aquele belo terreno que dá frente para a Av. Vieira Souto e fazer ali um jardim público onde os atuais sócios poderiam ir dar seus passeios e falar mal da vida dos outros, sem pagar um só tostão.
         O papa se demitiu, os meteoros estão caindo, o mundo se acabando, e o Country continua acreditando em suas bolaspretas. É de chorar.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Hora de mudar




Domingo, 27 de janeiro de 2013, por Danuza Leão, para a Folha de S. Paulo



Eu amo Paris, mas adoro Lisboa; é a cidade mais amável e gentil de toda a Europa.

           Nos poucos dias que passei lá, vindo de Paris, num primeiro momento houve uma inevitável comparação com a cidade que havia deixado _ com vantagem para Paris. Já no segundo dia tudo estava diferente. Era como se tivesse chegado a um Rio de 1800, pois algumas coisas em Lisboa não mudam, e é delas que mais gosto: um comércio antigo, chapelarias, pequenas lojas que apregoam “cintas e soutiens”, e os alfacinhas, como são chamados os lisboetas, encostados nos prédios, conversando e fumando. Fuma-se muito em Lisboa, e um dia, num restaurante, o garçon perguntou se eu preferia ficar na sala dos fumadores ou na outra, onde não se fuma. Acho que é o único restaurante que conheço em que existe uma sala onde se pode fumar durante arefeição.

           Os 5 dias que passei em Lisboa viraram minha cabeça; começo a pensar que a viagem certa seria escolher uma cidade _ pequena _ e lá ficar por 10, 15 dias, prestandoatenção às pessoas, aos costumes, vivendo uma vida normal, passeando a pé, sem obrigação de ver nada. Eleger um café para passar duas vezes por dia, onde acabaria sendo reconhecida e tivesse alguém que me dissesse bom dia, um restaurante onde o garçon talvez me chamasse pelo nome, e me sugerisse o que comer. Uma cidade onde não houvesse nada para comprar, a não ser um queijo da terra, um doce da terra; uma cidade que, sobretudo, não estivesse na moda.

           Penso em uma cidade pequena, talvez o Porto, e vou contar porque. Como ia haver um jogo de futebol importante, entre um clube do Porto e outro de Lisboa, a televisão fez uma grande matéria sobre as duas cidades. E as pessoas que foram entrevistadas disseram que Lisboa é uma cidade desumana, onde ninguém recebe as pessoas em casa, só nos cafés e restaurantes, mas que eles, do Porto, não: têm o hábito de abrir suas casas para os amigos a qualquer hora do dia, e prazer em fazer um almoço para mostrar como lá se come bem _ e aí mostraram o mercado de peixes, as frutas, os vinhos, e falaram sobre o que cozinhariam para bem receber umforasteiro. Coisas incríveis, como salada de orelha, bochechas de porco, doporco do qual se faz o melhor presunto do mundo, o pata negra, nem gosto depensar. Estou louca para conhecer o Porto.

           E afinal, o que se quer de uma viagem? Preocupações zero, compromissos zero, comer bem, e se tiver exagerado no vinho durante o almoço, poder ir dormir um pouco sem o menor remorso de não ter visto um museu incrível, ou mais um castelo. Quando estava em Paris inventei de ir a Versailles, e foi lamentável. Montes de ônibus de turistas, todos tirando fotos _ enfim, tudo que já se sabe. Mil vezes tivesse comprado um belo DVD para ver em casa.

           Mas nada é perfeito, e em Lisboa tive momentos de angústia: não houve um só dia em que não tenha sido abordada por 2, 3 pessoas, pessoas de 25 a 50 anos; elas se apresentavam, diziam o nome, idade, origem, e pediam uma ajuda em dinheiro. Não eram mendigos nem pareciam pobres; todas/todos vestidos corretamente, educados, mas precisando de uma ajuda financeira, o que foi muito triste.

           Mesmo assim, Portugal é o país ideal para passar dias encantadores de muita paz _ e, aproveitando, dar uma pequena ajuda para o país sair da crise.

           PS 1 – Chegando ao Brasil e lendo os jornais tive uma saudade enorme da figura de Marina Silva, da correção de Marina Silva, da integridade de Marina Silva. Precisamos de Marina em 2014.

           PS 2 – Estou de férias mas volto, bom carnaval.